1. Sinais de relações pouco saudáveis
2. Impacto da violência doméstica
3. Jornada: as testemunhas da violência doméstica
4. Indicadores de violência doméstica em adultos
5. Indicadores frequentes de violência doméstica em crianças
Destaque para o sector escolar: Identificação de vítimas de violência doméstica
6. Indicadores frequentes no sector escolar
Fontes
Introdução
Bem-vindo ao Módulo 2 sobre “Indicadores de violência doméstica”. Neste modulo, irá debruçar-se sobre a míriade de consequências da violência doméstica para a saúde, aprender sobre a sua identificação, adquirindo conhecimentos sobre indicadores que englobam aspectos comportamentais, físicos e emocionais. Além disso, o papel e o impacto das pessoas que testemunham a violência doméstica também serão apresentados nesta jornada.
Objectivos de aprendizagem
+ Compreender as consequências multifacetadas da violência doméstica para as vítimas, as famílias e as comunidades, incluindo os impactos físicos, psicológicos e sociais.
+ Adquirir as competências necessárias para identificar potenciais indicadores e “sinais de alerta” – utilizando pistas comportamentais, físicas e emocionais.
+ Reconhecer os efeitos emocionais e psicológicos de ser testemunha da violência doméstica, particularmente nas crianças, e compreender a importância de criar ambientes seguros para todos os membros da família.
1. Sinais de relações pouco saudáveis
Algumas relações, em vez de melhorar o nosso bem-estar, podem ter um impacto negativo no mesmo. Algumas podem atingir o nível de toxicidade, pelo que é fundamental saber identificar os sinais de alerta.
Estes sinais de alerta, frequentemente designados por “red flags“, servem como indicadores de um comportamento pouco saudável ou manipulador. Nem sempre são reconhecíveis à primeira, o que os torna tão perigosos.
A toxicidade pode estar presente em todas as formas de relações íntimas, por exemplo, entre amigos, no trabalho com colegas, entre membros da família ou em parcerias românticas.
2. Impacto da violência doméstica
Cada vítima é diferente e o impacto individual e cumulativo de cada acto de violência depende de uma complexidade de factores. Embora cada indivíduo sinta e viva a violência doméstica de forma única, há muitas consequências transversais e comuns de viver num ambiente de violência e/ou de medo. Muitas vezes, os efeitos físicos, emocionais, psicológicos, financeiros e outros, a curto e a longo prazo, são bastante semelhantes.
É importante compreender os efeitos da violência doméstica nas vítimas, porque esses efeitos são responsáveis por muitos indicadores que elas nos apresentam.
Note-se que as listas representam apenas uma selecção, não sendo por isso exaustivas:
Impacto da violência doméstica numa criança (testemunho ou experiência)
“As pessoas que viveram experiências desafiantes ou traumáticas na infância têm maior probabilidade de apresentar deficiências físicas e cognitivas na velhice.”3 Na tabela seguinte, encontrará mais exemplos do impacto a curto e a longo prazo da violência doméstica numa criança que viveu ou testemunhou uma situação de violência doméstica:
- As crianças que sofreram violência e têm problemas de saúde mental (por exemplo, sintomas psicossomáticos, depressão ou tendências suicidas) têm maior propensão para abuso de substâncias, gravidez juvenil e comportamento criminoso.9
- As crianças podem aprender que é aceitável exercer controlo ou aliviar o stress recorrendo à violência, ou que a violência parece estar ligada a expressões de intimidade e afecto. Este facto pode ter um forte impacto negativo sobre as crianças em situações sociais e nas relações ao longo da infância e mais tarde na vida.
- As crianças podem também ter de lidar com o facto de ficarem temporariamente sem abrigo, de mudarem de local e de escola, de perderem amigos, animais de estimação e bens pessoais, de serem continuamente assediadas pelo agressor e de sofrerem o stress de estabelecer novas relações.
3. Excurso: Pessoas como testemunhas de violência doméstica
Dado o impacto negativo, a curto e longo prazo, nas pessoas que vivem num ambiente com violência doméstica e dado que a maioria se remete ao silêncio, é fundamental que os prestadores de cuidados e os membros da família, bem como os vizinhos ou colegas de trabalho, que são potenciais testemunhas de violência doméstica, não desviem o olhar.
Tarefa para reflexão
(1) Quais são os “sinais de alerta” (“red flags”) apresentados neste vídeo que indicam que se trata de uma relação tóxica em que a violência doméstica está presente e que alguém precisa de ajuda?
(2) O que é que faria?
A cooperação e o consentimento da vítima são os pré-requisitos mais importantes para intervir como testemunha. A intervenção de uma testemunha pode incluir falar com a vítima, ajudar a aceder a serviços de ajuda ou, por exemplo, apoiar a denúncia da violência doméstica à polícia.
Factores que podem inibir ou encorajar a intervenção das testemunhas.
Para mais informações sobre os factores decisivos para a intervenção de testemunhas de casos de violência doméstica podem ser consultadas aqui:10 www.eige.europa.eu/gender-based-violence/eiges-work-gender-based-violence/intimate-partner-violence-and-witness-intervention?lang=sl
4. Indicadores gerais de violência doméstica em adultos
Existe uma panóplia de indicadores que servem de “sinais de alerta” de que uma pessoa pode estar a sofrer violência doméstica. Alguns deles são bastante subtis. Deste modo, é importante que os profissionais estejam atentos aos potenciais sinais e respondam de forma adequada. Note-se que nenhum ou todos estes sinais podem estar presentes e ser indicadores de outros problemas. A forma de interacção e o comportamento da vítima podem deixar pistas e ser reveladoras de violência doméstica. Para informações mais pormenorizadas sobre comunicação, consulte o Módulo 3.
As vítimas confiam nos profissionais para ouvir, persistir e inquirir os sobre sinais e pistas. Elas precisam que os profissionais dêem seguimento às conversas em privado, registem os pormenores dos comportamentos, sentimentos e lesões observados e comunicados e os apoiem de acordo com os sistemas da sua organização e as vias locais.
A manifestação dos sintomas de violência doméstica difere de acordo com as diferentes origens culturais das pessoas. É preciso ter consciência da sua própria perspectiva, preconceitos e estereótipos quando ou ao comunicar com uma potencial vítima, uma vez que estes factores podem ter impacto na forma como avalia os seus sintomas. Para mais informações, consulte o Módulo 8.
É necessário ter em atenção que nenhum ou todos estes indicadores podem estar presentes e ser indicadores de outros problemas, mas podem servir como sinais de alerta e motivo de atenção acrescida podendo apontar para uma história de violência doméstica.
Aqui, encontrará uma série de potenciais indicadores de saúde, indicadores psicológicos para adultos e indicadores específicos relativos a grupos vulneráveis. Nos capítulos seguintes, encontrará também indicadores específicos adaptados à ginecologia/obstetrícia, à cirurgia, à pediatria e à medicina dentária.
Para maior clareza, os indicadores estão classificados por cores: Amarelo: Indicadores gerais; Verde: Indicadores comportamentais; Azul: Indicadores psicológicos.
Potenciais indicadores de saúde
- Doenças crónicas, incluindo dores de cabeça, dores musculares, articulares e nas costas11
- Dificuldade em comer/dormir
- Sintomas do foro cardiológico sem evidência de doença cardíaca (palpitações cardíacas, hipertensão arterial, enfarte do miocárdio sem doença obstrutiva)
Potenciais indicadores psicológicos
- Sofrimento emocional, por exemplo, ansiedade, indecisão, confusão e hostilidade12
- Auto-agressão ou tentativas de suicídio13
- Queixas psicossomáticas
- Perturbações do sono e da alimentação (por exemplo, anorexia, bulimia, compulsão alimentar)14
- Depressão/depressão pré-natal15
- Isolamento social/ não ter acesso a transportes ou dinheiro16
- Comportamento submisso/baixa autoestima17
- Medo de contacto físico18
- Abuso de álcool ou drogas19, 20
Potenciais indicadores comportamentais
- Recurso frequente a tratamentos médicos em várias instalações
- Mudança constante de médicos21
- Intervalo de tempo desproporcionadamente longo entre a ocorrência da lesão e o tratamento
- Resposta hesitante quando lhe é perguntado o historial médico
- Negação, explicações contraditórias sobre a causa da lesão
- Comportamento super protector do acompanhante, comportamento controlador
- Ausência frequente do trabalho ou dos estudos
- Evasão ou vergonha em relação às lesões
- Ansiedade na presença do parceiro ou de familiares
- Reacções nervosas ao contacto físico/movimentos rápidos e inesperados
- Comportamento facilmente assustadiço
- Chora facilmente quando lhe fazem perguntas
- Reacções extremamente defensivas no momento em que lhe são feitas perguntas específicas
Possíveis indicadores que se aplicam especificamente ao grupo vulnerável dos idosos:
Potenciais indicadores de violência doméstica contra os idosos
- Falta de higiene básica
- Fraldas molhadas
- Falta de ajudas médicas como andarilhos, dentaduras
- Escaras, úlceras de pressão
- O prestador de cuidados fala do idoso como se ele fosse um fardo
Alguns profissionais receiam que a discussão sobre o suicídio possa despoletar na pessoa em risco, mas, na realidade, falar sobre o suicídio pode reduzir a sua ansiedade e promover a compreensão. Se alguém estiver a pensar ou a planear suicidar-se, ou se tiver um historial recente de auto-mutilação e estiver em extrema angústia ou agitação, não o deixe sozinho. Encaminhe-a imediatamente para um especialista ou para um centro de saúde de emergência.
4. Indicadores frequente em crianças
Aqui, encontrará uma série de potenciais indicadores em crianças.23
Potenciais indicadores de violência doméstica
- Ganho de peso lento (em bebés)
- Resultados de exame visíveis ou outros indícios de negligência
- Falta de cuidados médicos ou cuidados médicos inadequados para doenças
- Mau estado de conservação da criança
- Mau estado nutricional da criança ou obesidade extrema
- Vestuário inadequado, por exemplo, usar roupas de manga comprida e calças no tempo quente
- Dificuldade em comer/dormir
- Queixas físicas
- Perturbações alimentares (incluindo problemas de amamentação)
Potenciais indicadores psciológicos
- Comportamento e linguagem agressivos, lutas constantes com os colegas
- Passividade, submissão
- Aparência nervosa e retraída
- Dificuldade de adaptação à mudança
- Comportamento regressivo em crianças pequenas
- Perturbações do desenvolvimento da fala
- Doenças psicossomáticas
- Inquietação e problemas de concentração
- Comportamento dependente, triste ou reservado
- Urinar na cama
- Comportamentos de “actuação”, por exemplo, maus tratos a animais24
- Diminuição notória do rendimento escolar
- Faltas inexplicáveis à escola
- Superproteção ou medo de deixar a mãe ou o pai
- Roubo e isolamento social
- Comportamento sexualmente abusivo
- Sentimentos de inutilidade
- Transitoriedade
- Falta de limites pessoais
- Depressão, ansiedade e/ou tentativas de suicídio
Potenciais lesões
- A história descrita não é consistente com lesões.
- Lesões invulgares, por exemplo:
- Lesões graves de qualquer tipo
- Fracturas frequentes
- Aspecto invulgar (por exemplo, lesões com padrões, como marcas de dentadas)
- Localização invulgar (“protegida”) das lesões (incluindo lábios, dentes, cavidade oral, pálpebras, lóbulos das orelhas, nádegas, órgãos genitais, pontas dos dedos, etc.)
- Lesões não tratadas (antigas)
- Lesões inexplicáveis em crianças que não se deslocam
- Ferimentos “invulgares” para a idade da criança; as crianças saudáveis não têm nódoas negras. Mesmo as nódoas negras pequenas e irrelevantes do ponto de vista médico indicam um tratamento inadequado da criança
- Lesões devidas a alimentação forçada ou descuidada:
- Contusões (nódoas negras nos tecidos) dos lábios ou da gengiva (devido a uma alimentação extrema)
- Queimaduras porque a comida estava demasiado quente
Atenção: As lesões internas graves (por exemplo, fracturas) podem não corresponder a lesões externas! Sacudir um bebé é perigoso para a vida e não é visível externamente.
Fonte: Deutsche Gesellschaft für Kinderschutz in der Medizin (2019). Child Abuse and Neglect Guideline.25 https://dgkim.de/?page_id=243)
Potenciais indicadores relativas aos prestadores de cuidados ou ao comportamento dos pais
- Anomalias/doenças psicológicas nos pais/mãe/pai
- Sinais de problemas parentais (por exemplo, agressão, potencial de violência, delinquência, falta de educação, conflitos conjugais)
- Famílias com factores de stress psicossocial (por exemplo, pobreza, desemprego, paternidade precoce e/ou solteira, isolamento linguístico, nascimentos múltiplos, atrasos no desenvolvimento da criança)
- Consumo de substâncias (independentemente da substância) e outras dependências dos pais (por exemplo, dependência de jogo, sexual e de compras)
- Incapacidade dos pais para interpretar e responder correctamente aos sinais do recém-nascido/infante/criança; incapacidade para satisfazer as necessidades do recém-nascido/infante/criança; falta de ligação ao recém-nascido/infante/criança
- Falta de cooperação/conformidade com a terapia por parte dos pais, por exemplo
- Não cumprimento das recomendações do pessoal médico, cuidados inadequados dos pais em relação a crianças com doenças crónicas
- Não administração de medicação (regular) à criança, falta às consultas de controlo da criança
Fontes26
Sinais de alerta:(4) • Os hematomas visíveis são uma preocupação em bebés que não se deslocam. • Em qualquer criança, ter um hematoma na área genital é preocupante. • Em qualquer criança, a presença de hematomas em várias regiões, como a orelha, o pescoço, a nuca, os gémeos e toda a parte da frente do tórax e do abdómen, é excessiva e suspeita se não houver um historial médico adequado. • Em qualquer criança, ter um hematoma na zona das nádegas é muito raro As crianças vítimas de abuso têm normalmente três ou mais hematomas em várias áreas do seu corpo. |
Estudo de caso: Crianças em risco grave em lares com violência doméstica
Este caso é sobre o Daniel, um menino de 4 anos, e a sua mãe, a Sra. Luscak, de 27 anos, que teve quatro parceiros diferentes. Ela consome álcool de forma abusiva e é ocasionalmente violenta para com os seus parceiros. Fala pouco inglês. Daniel tinha 2 irmãos, uma irmã de 7 anos, Anna, do primeiro parceiro da mãe, e um irmão de 1 ano, Adam, do quarto parceiro da mãe, Sr. A. Em 27 ocasiões diferentes, a polícia foi chamada para incidentes de violência doméstica, muitas vezes complicados pelo facto de ambos os pais estarem embriagados. Em duas ocasiões, a mãe de Daniel tomou uma overdose de comprimidos para dormir com a intenção de se suicidar. A família mudou de casa em várias ocasiões devido à incapacidade de pagar a renda. Quando estava grávida de Adam, o Sr. A. incitou a Sra. Luscak a interromper a gravidez. Ela faltou a 4 consultas pré-natais. A certa altura, foi hospitalizada e o Sr. A. retirou-lhe o soro do braço e ela teve alta.
Daniel sofreu uma fratura em espiral no braço esquerdo, que terá sido provocada por ter saltado do sofá com a irmã no dia anterior, quando foi visto nas urgências. A mãe explicou que a contusão no ombro e na parte inferior da barriga se devia ao facto de cair regularmente da bicicleta. Realizaram-se reuniões com profissionais de saúde, mas o longo historial de violência doméstica não foi tido em conta. Quando Daniel começou a frequentar a escola, as faltas eram tão frequentes como as da sua irmã Anna. Os professores ficaram preocupados porque Daniel estava a ficar muito mais magro e parecia ter sempre fome, tirando comida das lancheiras das outras crianças. Daniel tinha um inglês fraco e era um rapaz tímido e reservado, que não falava com os professores.
Tarefas para reflexão
(1) Refletir sobre os numerosos sinais de alerta apresentados no caso do Daniel. Quais foram os primeiros indicadores de potenciais abusos e como poderiam ter sido identificados mais cedo?
(2) Quais foram as oportunidades perdidas de intervenção e apoio dos profissionais de saúde? Como é que isso poderia ter sido feito melhor?
Caso adaptado27 The Medical Women’s International Association’s Interactive Violence Manual
6. Indicadores frequentes no sector escolar
- Declarações verbais, ferimentos visíveis, problemas de comportamento ou mudanças de comportamento de uma criança ou adolescente podem levantar a suspeita de que a violência doméstica pode estar presente numa família.
- Os educadores, os assistentes sociais escolares e os professores devem ser sensibilizados para este facto.
- Em todo o caso, o objetivo principal deve ser pôr fim à violência contra uma criança, um adolescente ou um dos pais.
- Na maioria dos casos de violência doméstica, a melhor maneira de ajudar a criança ou o adolescente é o próprio progenitor mudar a situação. Incentivá-los a fazê-lo e dar-lhes acesso a ajuda é uma tarefa importante do sector escolar.
Potenciais passos para lidar com a suspeita de violência doméstica
- Observação de problemas de comportamento de uma criança ou de um adolescente
- Documentação
- Reflexão sobre a observação
- Suposições sobre as possíveis causas do comportamento da criança ou do adolescente (formulação de hipóteses)
- Envolvimento de um colega
- Reunião de equipa (consulta colegial)
- Envolvimento da direção
- Decisão sobre a forma de proceder e acordo sobre as etapas seguintes da ação
A última etapa, “decisão sobre a forma como proceder e no acordo sobre as etapas seguintes da acção”, deve ser organizada individualmente em função de cada caso. Uma possibilidade seria falar com a mãe e/ou o pai da criança ou do adolescente em causa. Em primeiro lugar, devem ser discutidos os problemas de comportamento observados e documentados da criança ou do adolescente. Se ficar claro que a mãe ou o pai podem estar a ser afectados pela violência doméstica, então é importante ter outra conversa com ele ou ela em privado. A confidencialidade deve ser sempre assegurada e devem ser dadas informações sobre opções de ajuda, como centros de aconselhamento, aconselhamento telefónico anónimo, etc.
A cooperação com a mãe e o pai, enquanto parceiros educativos, deve ser muito sensível e, por conseguinte, assegurada a longo prazo. Se as mães e/ou os pais não estiverem dispostos a resolver os problemas e a recorrer às ofertas de ajuda, a cooperação com outras instituições sem o consentimento dos pais só é possível se o bem-estar da criança ou do adolescente estiver em risco. Caso contrário, a escola deve garantir a protecção dos dados. No entanto, é possível obter conselhos de diferentes organizações de ajuda por telefone ou pessoalmente, sem revelar os dados da família em causa. Se o bem-estar da criança ou do adolescente estiver em risco, o serviço de protecção de menores deve ser informado. O bem-estar da criança ou do adolescente tem prioridade sobre a protecção de dados. Além disso, para o esclarecimento de um eventual perigo para o bem-estar da criança ou do adolescente, o serviço de protecção de menores pode ser consultado em primeiro lugar, preservando o anonimato da família em causa, para depois se poder decidir sobre as medidas a tomar, por exemplo, envolver oficialmente o serviço de protecção de menores.
Não apressar as coisas
Pode discutir os seus sentimentos, incertezas e receios com colegas, centros de aconselhamento ou com o serviço distrital de assistência social a jovens. Seja cuidadoso e cauteloso com as suas suspeitas para evitar acções descontroladas por parte de outras pessoas. Toda a sua actuação deve ser feita no melhor interesse da criança ou do jovem.
Esclarecer a suspeita
Um comportamento ostensivo pode também ter razões muito diferentes: uma criança ou um adolescente pode estar numa situação de vida difícil, como por exemplo o divórcio dos pais, ou a perda de pessoas importantes que cuidam dele, como os avós. No entanto, uma possível causa para um comportamento conspícuo pode ser também o facto de ter testemunhado violência doméstica ou de ter sido vítima de violência doméstica. É sempre importante perguntar a si próprio o seguinte: qual é a base da suspeita? Os maus tratos, a negligência, os abusos sexuais ou a violência doméstica são a única explicação para o comportamento da criança ou do adolescente? Existem outras causas possíveis?
Exemplo: violência física
A Alice tem sempre algum ferimento, sobretudo nódoas negras. As outras crianças também se aperceberam disso. Quem pergunta à menina de cinco anos sobre o assunto obtém sempre novas explicações e histórias que têm todas uma coisa em comum: aparentemente, é sempre ela própria que, nas suas trapalhadas, sofre os ferimentos. Às vezes caía das escadas, outras vezes caía da bicicleta.
Mas quem conhece a Alice sabe que ela é tudo menos desastrada. A professora também começa a desconfiar, porque as explicações não se “encaixam” nas lesões. As outras crianças dizem-lhe que os pais da Alice são rigorosos. Castigam a filha por pequenas coisas, como chegar atrasada. A professora não tem autorizar de marcar nenhuma reunião. Um dia, quando Alice não vai à creche, a professora atreve-se a visitá-la em casa. Os pais recusam-se a deixá-la entrar em casa e dizem que a criança não está lá. A professora então chama a polícia, que encontra Alice fechada no berçário, coberta de nódoas negras e vergões, com a boca fechada com fita-cola. Quando a polícia pergunta como é que o ferimento enorme na cabeça aconteceu, os pais explicam que a filha, furiosa, bateu com a cabeça no armário.
Fonte: Handout to promote the recognition of child abuse and the adequate handling of suspected cases (apenas em alemão)
Exemplo: violência psicológica
O Tomás é, de facto, bastante gordo para os seus onze anos. Tem cada vez menos contacto com os seus colegas e já não participa em nenhuma actividade de grupo. Não são os outros que o gozam, mas o Tomás, que se retrai cada vez mais. É assustadoramente passivo.
Também participa cada vez menos nas aulas e parece, de certa forma, inseguro e receoso. Quando a sua transferência é ameaçada, os pais são convidados para uma reunião na escola. Apenas a mãe comparece à reunião.
Durante a conversa com a professora, rapidamente se torna claro que ela tem uma atitude muito distante em relação ao filho. Chama-lhe estúpido e feio. Relativamente à sua transferência, diz com indiferença: “Se ele não mudar, terá de arcar com as consequências”.
Após a conversa com a professora, o Tomás encontra a mãe e a professora quando está a sair da sala de aula com a turma. A mãe diz-lhe, à frente da professora e dos colegas: “És um inútil, só estou metido em sarilhos por tua causa.”
Fonte: Handout to promote the recognition of child abuse and the adequate handling of suspected cases (apenas em alemão)
Exemplo: negligência
Atrasado outra vez! Leo entra sorrateiramente na sala de aula e espera que a professora não se aperceba de que ele não conseguiu chegar a horas outra vez. Já não é a primeira vez que o rapaz de doze anos chega atrasado à escola e adormece várias vezes durante a primeira aula. Livros e cadernos: desaparecidos! Na maior parte das vezes, também não leva a marmita. Há muito que as calças já não lhe servem, as camisolas estão gastas e ninguém se quer sentar ao seu lado. “Cheiras mal!”, dizem os outros.
A professora está preocupada com o rapaz, que parece de alguma forma negligenciado, mas a mãe não responde às suas cartas. Também ignora as reuniões de pais. Mas quando a professora pergunta ao próprio Leo, ele tem sempre explicações conclusivas para o facto de a mãe não comparecer.
Quando a irmã mais nova de Leo, que frequenta a mesma escola, deve participar numa visita de estudo, mas o pagamento não é efectuado, é marcada uma reunião com a mãe, o professor e o serviço de apoio à juventude da escola. A mãe não aparece, pelo que Leo é questionado sobre o seu paradeiro. O rapaz começa a chorar e conta que a mãe está a viver com o namorado há três trimestres e que só aparece no apartamento de vez em quando para deixar cinco euros para as compras. Durante todo este período, Leo teve de assumir a responsabilidade por toda a casa, pelo apartamento totalmente abandonado e pelos seus três irmãos mais novos.
Fonte: Handout to promote the recognition of child abuse and the adequate handling of suspected cases (apenas em alemão)
Expansão do conhecimento
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Aqui pode encontrar ofertas de formação contínua no domínio da violência doméstica no sector social.
Estudo de caso: A violência doméstica tem impacto negativo nas crianças
Gabby casou-se com o seu marido Nick após uma longa relação e pouco tempo depois mudou-se para a quinta da família do marido. O casal era feliz na quinta e em breve tiveram o seu primeiro filho. Durante a gravidez, o comportamento de Nick começou a mudar e, quando a filha nasceu, a relação já não era a mesma de antes. Nick parecia retraído e passava longos períodos de tempo sozinho. Começou a fazer lembrar a Gabby o pai de Nick, que sempre tinha sido uma presença severa na sua vida.
O comportamento de Nick tornou-se ameaçador e controlador, especialmente em relação ao dinheiro e ao contacto social. Era cada vez mais agressivo nas discussões e gritava e atirava objectos pela sala. Gabby achava que, como ele não a estava a magoar fisicamente, o seu comportamento não era considerado abuso. Nick não mostrava muito interesse pela filha Jane, excepto quando estava em público, momento em que aparentava ser um pai carinhoso e amoroso.
Jane era geralmente uma criança bem-comportada, no entanto, Gabby descobriu que não era capaz de a deixar com mais ninguém. Jane chorava e ficava visivelmente angustiada quando Gabby a entregava a outra pessoa para ser amamentada. Esta situação era stressante para Gabby e também significava uma limitação nas suas actividades.
Jane demorou muito tempo a gatinhar, a andar e a começar a falar. Os seus padrões de sono eram interrompidos e, muitas vezes, a Gabby não dormia toda a noite, mesmo quando Jane tinha mais de 12 meses de idade. Quando Jane começou a falar, começou a gaguejar, o que impediu ainda mais o desenvolvimento da sua fala. Gabby preocupava-se muito com Jane. O médico de família disse-lhe que isso era normal nalgumas crianças e que, se os problemas de fala persistissem, poderia sempre enviar Jane a um especialista.
Passados alguns anos, o comportamento de Nick tornou-se inaceitável para Gabby. Durante as discussões, Nick agarrava na espingarda que tinha para fins agrícolas, o que Gabby considerava muito ameaçador. Em várias ocasiões, os objectos que Nick atirava atingiram Gabby, que começou a temer cada vez mais pela sua filha. Gabby decidiu ir-se embora e consultou o serviço local de apoio às mulheres, que a ajudou a obter uma ordem de intervenção contra Nick.
Quando Gabby afastou Jane do Nick, o seu comportamento mudou. O desenvolvimento de Jane pareceu acelerar e Gabby não conseguia perceber porquê. No âmbito do seu aconselhamento num serviço local para mulheres, Gabby discutiu este assunto e a conselheira reconheceu que o atraso no desenvolvimento, a gaguez, a irritação e a ansiedade de separação eram efeitos da situação de abuso em que a Jane esteve envolvida.
Este facto pode ser visto como uma oportunidade perdida para identificar a violência familiar. Se o médico de família tivesse perguntado à Gabby ou ao Nick (que tinha apresentado dores crónicas nas costas) sobre a sua relação, sobre o que estava a acontecer à família e especificamente à Joana, a situação poderia ter sido identificada muito mais cedo.
Tarefas
(1) Que formas de violência doméstica estão patentes no estudo de caso?
(2) Que indicadores de violência doméstica podem ser observados no estudo de caso?
(3) Como é que avalia o risco para a Gabby e para a sua filha?
O vasto leque de profissionais, serviços prestadores e organizações especializadas que podem estar envolvidos no apoio a vítimas-sobreviventes de violência doméstica pode incluir mas não se limita a serviços de cuidados de saúde primários e secundários, serviços de saúde mental, serviços de violência sexual, assistência social, agências de justiça criminal, polícia, reinserção social, justiça juvenil, abuso de substâncias, agências especializadas em violência doméstica, serviços para crianças, serviços de habitação e educação.
Adaptado de um estudo de caso do RACGP (2014): Abuse and Violence: Working with our patients in general practice
Fontes
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- Royal Australian College of General Practitioners (2024). Abuse and Violence: Working with our patients in general practice. www.racgp.org.au/clinical-resources/clinical-guidelines/key-racgp-guidelines/view-all-racgp-guidelines/white-book ↩︎
- Royal Australian College of General Practitioners (2024). Abuse and Violence: Working with our patients in general practice. www.racgp.org.au/clinical-resources/clinical-guidelines/key-racgp-guidelines/view-all-racgp-guidelines/white-book ↩︎
- Royal Australian College of General Practitioners (2024). Abuse and Violence: Working with our patients in general practice. www.racgp.org.au/clinical-resources/clinical-guidelines/key-racgp-guidelines/view-all-racgp-guidelines/white-book ↩︎
- Women’s Legal Service NSW (2019). When she talks to you about the violence – A toolkit for GPs in NSW. www.wlsnsw.org.au/wp-content/uploads/GP-toolkit-updated-Oct2019.pdf ↩︎
- Hegarty, K., & O’Doherty, L. (2011): Intimate partner violence – Identification and response in general practice. Australian Family Physician, 40(11):852-6. www.racgp.org.au/getattachment/5c90283f-fa0d-44dc-a9b5-edd7ed7776c6/Intimate-partner-violence.aspx ↩︎
- Ärzteblatt (2021). Bei Missbrauchsverdacht: Koalition in NRW will Schweigepflicht lockern. www.aerzteblatt.de/nachrichten/124955/Bei-Missbrauchsverdacht-Koalition-in-NRW-will-Schweigepflicht-lockern,%20accessed%2010.%20October%202023 ↩︎
- Hegarty, K., & O’Doherty, L. (2011). Intimate partner violence – Identification and response in general practice. Australian Family Physician, 40(11), 852-856. ↩︎
- Mota-Rojas, D., Monsalve, S., Lezama-García, K., Mora-Medina, P., Domínguez-Oliva, A., Ramírez-Necoechea, R., & Garcia, R. d. C. M. (2022). Animal Abuse as an Indicator of Domestic Violence: One Health, One Welfare Approach. Animals, 12(8), 977. doi.org/10.3390/ani12080977 ↩︎
- Deutsche Gesellschaft für Kinderschutz in der Medizin (2019). Child Abuse and Neglect Guideline. www.dgkim.de/wissen-forschung/kinderschutzleitlinie/ ↩︎
- Institut für Qualität im Gesundheitswesen Nordrhein. Notfall- und Informationskoffer: Kinderschutz in der Arztpraxis und Notaufnahme. www.aekno.de/fileadmin/user_upload/aekno/downloads/2023/Kindernotfallkoffer.pdf ↩︎
- MWIA (2019). Case Studies – Children at serious risk of domestic violence. Case 12: Daniel. www.mwiaviolencemanual.com/wp-content/uploads/2019/07/case-12_-children_at_serious_risk_of_domestic_violence-_daniel.pdf ↩︎