1.Cooperação inter-agências
2. Avaliação dos riscos
3. Excursus: Violência doméstica em tempos de catástrofe
4. Cooperação entre agências com enfoque na polícia
5. Processo penal em casos de violência doméstica
6. Processo penal nos casos de violência doméstica em Portugal
7. Módulo de integração da avaliação de riscos (RAIMO)
8. Exemplos de boas práticas
Fontes
+ compreender como trabalham as equipas de primeira linha, com especial destaque para o sector médico
+ para compreender por que razão a cooperação em equipas multiprofissionais é mais bem-sucedida no combate à violência doméstica.
+ compreender os desafios multifacetados associados à cooperação multiprofissional em tempos de pandemia, como as catástrofes da COVID-19.
Nota: Os materiais didácticos não são adaptados às necessidades de cada país; incluem casos genéricos que necessitam de adaptação local.
Vídeo IMPRODOVA: Porque é que a cooperação em casos de violência doméstica é importante?
1. Cooperação inter-agências1
Trabalhar numa parceria multi-agências é a forma mais eficaz de responder à violência doméstica a nível operacional e estratégico. A formação inicial e contínua e o apoio e supervisão organizacionais são essenciais.
A violência doméstica tem um impacto negativo nos indivíduos, nas famílias e nas relações. Afecta a saúde, o bem-estar e a educação das crianças que testemunham ou sofrem abusos. Afecta a economia, as empresas e os empregadores da comunidade onde trabalham as vítimas/sobreviventes ou os agressores. Aumenta a procura de habitação e resulta noutras necessidades de cuidados de saúde e sociais. Todos estes prestadores de serviços e agências lidam frequentemente com as mesmas questões de formas divergentes, com intervenções diferentes e resultados diferentes.
Princípios do trabalho multi-agências
Para garantir uma parceria bem-sucedida, podem ser desenvolvidos e acordados certos princípios pelas diferentes agências que trabalham em conjunto. Os pontos que se seguem podem ajudar os profissionais e as organizações a definir e a acordar determinados princípios que todas as agências que trabalham em conjunto devem respeitar.
- Compreender que, sem uma prevenção eficaz e uma intervenção precoce, a violência doméstica aumenta frequentemente de gravidade e, por conseguinte, é importante envidar todos os esforços para identificar e apoiar mais cedo as vítimas adultas e infantis.
- Dar prioridade à segurança das vítimas-sobreviventes e dos seus filhos ao considerar as intervenções e actuar imediatamente após a revelação do risco de danos.
- Os dados sobre todos os incidentes de violência doméstica devem ser registados, analisados e partilhados com a direcção dos organismos que trabalham em conjunto, de forma regular e adequada.
- Incentivar a cooperação com as instituições e autoridades que trabalham com os autores de actos de violência, a fim de avaliar os riscos numa base multi-profissional e prevenir novos incidentes de violência.
- Na fase inicial de contacto com os serviços, deve ser obtido o consentimento informado da vítima-sobrevivente para garantir que a informação entre organismos possa ser partilhada, quando necessário, sem atrasos desnecessários.
- Trabalhar de forma cooperativa para proporcionar um ambiente de apoio e de incentivo que encoraje as pessoas a denunciar a violência doméstica à polícia e a outros profissionais e organismos.
- Respeitar a confidencialidade e a privacidade sempre que possível e compreender os riscos associados à partilha de informações no contexto da violência doméstica.
- Desenvolver e aderir a políticas e procedimentos partilhados para orientar a partilha de informações entre diferentes organizações.
- Assegurar que as vítimas-sobreviventes sejam tratadas com respeito e dignidade. Ouvindo-os e acreditando nas suas experiências e assegurando-lhes que nunca são culpados.
- Sempre que possível, dar poder às vítimas e sobreviventes de violência doméstica para fazerem escolhas e tomarem decisões bem informadas por si próprias. Não tomar decisões por elas sem a sua participação.
- Assegurar que os serviços sejam sensíveis às diversas necessidades das vítimas e dos sobreviventes, tendo em conta a sua idade, deficiência, género, raça ou etnia, religião ou crença, orientação sexual, mas reconhecer que essas diferenças não são utilizadas como desculpa para aceitar ou perpetrar a violência doméstica ou outras práticas prejudiciais.
- Reconhecer que as vítimas-sobreviventes e os seus filhos correm maior risco quando tentam sair de uma relação abusiva ou procuram ajuda.
Desafios associados ao trabalho multi-agências2
O trabalho multi-agências tem os seus próprios desafios. Fundamentalmente, as diferentes agências e prestadores de serviços têm missões, visões, valores, metas e objectivos organizacionais diferentes. Para além deobjectivos e tarefas diferentes e também podem ter regras, regulamentos e mecanismos de trabalho diferentes. Este facto dificulta que os profissionais destas agências trabalhem em conjunto ao mesmo ritmo. Poderá também haver uma falta de compreensão do papel e das responsabilidades do pessoal e a linguagem utilizada pelos indivíduos e pelas organizações ser diferente, o que conduz a problemas no trabalho conjunto.
Um bom exemplo é a diferença na linguagem, definições e rótulos utilizados para se referir à vítima-sobrevivente. De factos há vários rótulos em uso, incluindo ‘vítima’ (sistema de justiça criminal), ‘sobrevivente’ (organizações centradas nas mulheres), ‘paciente’ (serviços de saúde), ‘inquilino’ (serviços de habitação), ‘utilizador de serviços’ (agências de assistência social) e ‘cliente’ (assistência social a adultos). Quando se trabalha com perpetradores, o termo vítima é também utilizado no sentido do direito penal, mas pode também referir-se a “familiares” e “clientes” em geral.
Os dados recolhidos por diferentes agências não são comparáveis devido a variações no tipo de dados recolhidos, na forma como são registados, no armazenamento e na falta de dados ou nos mecanismos de portabilidade dos dados. Também pode haver diferentes entendimentos sobre o que constitui a violência doméstica e o seu impacto entre as diferentes organizações. A elevada rotatividade do pessoal nas organizações também constitui um obstáculo e afecta a comunicação, uma vez que é necessário tempo para que as pessoas desenvolvam relações de confiança.Além disso, os diferentes serviços nem sempre comunicam entre si e, muitas vezes, não estão autorizados a trocar informações, em parte por razões de protecção de dados, o que resulta na falta de partilha de informações. Consequentemente, as vítimas têm de fornecer repetidamente as suas informações, incluindo pormenores das suas experiências abusivas, a diferentes pessoas em diferentes organizações. Recordar as experiências pode ser traumático para as vítimas-sobreviventes e, consequentemente, pode dissuadi-las de aceder ao apoio.
2. Avaliação dos riscos
A avaliação de risco é uma pedra angular da prevenção da violência doméstica.3 O objectivo da avaliação dos riscos de violência doméstica é prevenir a repetição da violência, identificando o risco de reincidência do agressor4, as circunstâncias que podem aumentar os riscos de violência, bem como os factores de vulnerabilidade da vítima, através da realização de uma avaliação dos riscos e da aplicação de intervenções para gerir as fontes de risco.
A avaliação dos riscos é necessária para o planeamento da segurança da vítima e para a gestão das fontes de risco, sendo estes os principais pontos-chave:
- É essencial ajudar as vítimas a avaliarem a sua segurança atual e futura, bem como a dos seus filhos.
- Muitas vezes, as vítimas não querem dirigir-se imediatamente a outros serviços especializados ou apresentar queixa à polícia. Por isso, é muito importante que os membros do sector da saúde tenham alguns conhecimentos básicos sobre a avaliação de riscos e sobre como perguntar e apoiar as vítimas em conformidade. Mas não é necessário efectuar uma avaliação de risco exaustiva.
- Uma avaliação de risco abrangente, seguindo as melhores práticas, envolve a recolha de informações pertinentes sobre o ambiente doméstico, a inquirição sobre a percepção de risco da vítima e um juízo profissional sobre os factores de risco actuais.5 Esta avaliação é geralmente efectuada por serviços especializados de apoio à vítima ou pela polícia.
- É necessária uma avaliação dos riscos e um protocolo claro para encaminhar os doentes com lesões resultantes de violência doméstica para outras intervenções após uma visita às urgências. A revelação de casos de violência doméstica está também associada a determinadas obrigações de comunicação e notificação, que variam consoante o grupo profissional.
- Pode tratar-se das obrigações de comunicação e de notificação dos grupos profissionais pedagógicos e psicossociais em caso de suspeita de perigo imediato para si próprio ou para os outros e de perigo para o bem-estar das crianças.
- As profissões médicas também estão sujeitas a obrigações especiais de notificação, que são reguladas nas respectivas leis profissionais.
Certifique-se de que
- dar prioridade à segurança da vítima
- adoptar uma abordagem centrada na vítima
- adoptar uma abordagem sensível às questões de género
- aplicar uma abordagem inter-sectorial: “As características de cada caso individual são tidas em conta na identificação das necessidades de segurança individuais das vítimas, incluindo o género e a identidade ou expressão de género da vítima, a etnia, a raça, a religião, a orientação sexual, a deficiência, o estatuto de residência, as dificuldades de comunicação, a relação com o agressor ou a dependência deste e a experiência anterior de crime”.”6
Recomenda-se vivamente a utilização de uma avaliação de risco normalizada em vez de se recorrer a uma intuição. Muitas instituições têm a sua ferramenta de avaliação de risco normalizada que utilizam habitualmente. No entanto, esta pode variar consoante as instituições e os países.
Instrumentos de avaliação de risco7
Encontre aqui os instrumentos de avaliação de riscos utilizados internacionalmente com mais frequência:
Avaliação do perigo 8,9
- A Avaliação do Perigo é um instrumento que ajuda a determinar o nível de perigo de uma mulher maltratada ser morta pelo seu parceiro íntimo.
- O instrumento é composto por duas partes: um calendário e um instrumento de avaliação com 20 itens. O calendário ajuda a avaliar a gravidade e a frequência das agressões durante o último ano. A parte do calendário foi concebida como uma forma de aumentar a consciência da mulher e reduzir a negação e a minimização do abuso, especialmente porque a utilização de um calendário aumenta a precisão da recordação noutras situações.
- O instrumento de 20 itens utiliza um sistema ponderado para classificar as respostas sim/não aos factores de risco associados ao homicídio por parceiro íntimo. Alguns dos factores de risco incluem ameaças de morte anteriores, situação profissional do parceiro e acesso do parceiro a uma arma.
- A ferramenta está actualmente disponível em inglês10, espanhol, francês canadiano e português do Brasil:
- Foi desenvolvida uma versão resumida de quatro itens, designada por Avaliação da Letalidade, para ser utilizada pelos agentes da autoridade que respondem a chamadas de violência doméstica. As mulheres em situação de alto risco são então encaminhadas para defensores que receberam formação sobre a Avaliação do Perigo.
Guia de Avaliação do Risco de Violência Doméstica (DVRAG)11
O Guia de Avaliação de Risco de Violência Doméstica (DVRAG) contém os mesmos itens que a Avaliação de Risco de Agressão Doméstica de Ontário (ODARA), mas também incorpora os resultados da lista de controlo de psicopatia revista (PCL-R). O DVRAG é um instrumento actuarial de 14 itens que avalia a probabilidade de violência por parceiro íntimo perpetrada por homens contra uma mulher e a forma como este risco se compara com o de outros agressores. Estas ferramentas podem também prever a velocidade e o número de reincidências e a gravidade das lesões causadas. Os critérios gerais de pontuação incluem as instruções para pontuar e interpretar o ODARA em qualquer contexto.12 O DVRAG destina-se a ser utilizado por clínicos forenses e funcionários da justiça penal que possam aceder a informações aprofundadas.
Avaliação de risco DASH13
A ferramenta de avaliação de risco foi o resultado da documentação de 47 homicídios domésticos e da catalogação das principais variáveis de risco para desenvolver o modelo de risco DASH. A lista de controlo DASH é utilizada por várias agências na Escócia, incluindo a polícia. No entanto, não foi introduzida em toda a Escócia. A lista de controlo de risco DASH é suposto ser uma ferramenta consistente e simples para os profissionais que trabalham com adultos vítimas de violência doméstica. É suposto ajudá-los a identificar as pessoas que correm um risco elevado de sofrer danos e cujos casos devem ser encaminhados para uma reunião do MARAC, a fim de gerir o seu risco.
Vídeo que apresenta a identificação de riscos em casos de violência doméstica utilizando a lista de controlo DASH RIC: www.youtube.com/watch?v=AB00K1jiFUc&t=23s
BIG 2614
O Domestic Abuse Intervention Program (DAIP) em Duluth, Minnesota, EUA, desenvolveu 26 perguntas para avaliar o perigo que emana dum agressor. O modelo de Duluth sublinha a importância de uma cooperação entre agências e de uma resposta coordenada da comunidade às agressões, da segurança da vítima e da responsabilização do agressor.
DyRiAS Parceiro íntimo15
DyRiAS é a sigla de Dynamic Risk Assessment Systems (sistemas dinâmicos de avaliação de riscos). O DyRiAS Intimate Partner está em funcionamento na Alemanha, Áustria e Suíça desde janeiro de 2012. Por um lado, o instrumento mede o risco de cometer actos de violência grave contra o parceiro íntimo. Além disso, uma escala separada mede o risco de violência física ligeira a moderada. O DyRiAS-Parceiro Íntimo regista apenas a violência em relações heterossexuais, começando pelo (ex-)parceiro masculino. A duração da relação atual ou anterior é irrelevante e pode variar entre uma relação curta e uma relação de longa duração. No total, o DyRiAS-Parceiro Íntimo inclui 39 itens.
Conferência de Avaliação de Riscos Multi-Agência (MARAC)16
Um MARAC é uma reunião em que se partilham informações sobre os casos de abuso doméstico de maior risco entre representantes da polícia local, da saúde, da protecção de crianças, da habitação, conselheiros independentes para a violência doméstica (IDVAs), agentes de reinserção social e outros especialistas dos sectores estatutário e voluntário. Falam sobre a vítima, a família e o agressor, e partilham informações. A reunião é confidencial. Em conjunto, os participantes elaboram um plano de acção para cada vítima. No cerne de um MARAC está o pressuposto de que nenhuma agência ou indivíduo consegue ter uma visão completa da vida duma vítima, mas todos podem ter conhecimentos que são cruciais para a sua segurança.
3. Excursus: Violência doméstica em tempos de catástrofe17
Quarentena, restrições, escolas fechadas, trabalho a tempo parcial, preocupações financeiras e medo do futuro – todos estes factores têm o potencial de causar um aumento do stress nas relações e na vida familiar. Suspeita-se, por conseguinte, que tenha havido e continue a haver um aumento significativo da violência em casa. A título de exemplo de como as catástrofes podem ter um impacto, a COVID-19 apresenta-se um estudo de caso.
Alguns factores de risco para o aumento do número de casos domésticos incluem
- Os problemas de saúde e de saúde mental aumentaram durante uma situação de confinamento, uma vez que os serviços de saúde só estão acessíveis de forma limitada. Esta situação teve um impacto negativo no estado de saúde dos indivíduos, aumentou os seus níveis de stress e resultou frequentemente num aumento das agressões violentas.
- A insegurança económica ou o desemprego, acompanhados de preocupações financeiras, podem reforçar os mecanismos destrutivos de sobrevivência.
- A violência tem sempre a ver com o poder. Em tempos de crise e isolamento e nos sentimentos associados de impotência, perda de controlo e impotência, a violência é supostamente um meio de recuperar o controlo e o poder.
- As barreiras linguísticas, o encerramento de pontos de contacto ou o facto de os assistentes sociais só estarem presentes no local de forma limitada devido às medidas de protecção podem dificultar consideravelmente o acesso aos serviços de apoio.
- As vítimas também se mostraram relutantes em tirar partido dos serviços de apoio por receio de contrair a COVID-19.
- O distanciamento social pode limitar os contactos sociais dos indivíduos a tal ponto que as vítimas podem não se atrever a procurar ajuda sem a proximidade e o encorajamento dos prestadores de cuidados. Do mesmo modo, os prestadores de cuidados, os conhecidos ou as pessoas de fora, como empregadores ou pessoal docente, não se apercebem do problema e não podem actuar como apoiantes. Por outro lado, os vizinhos estão mais atentos e presentes e, devido às restrições iniciais, devem ser considerados um fator de protecção.18
Violência doméstica durante a pandemia de COVID-19 nos países da UE19
Durante a pandemia de COVID-19, foi registado um aumento da violência doméstica nos países da UE.
As denúncias à polícia são frequentemente recebidas com algum atraso ou não são comunicadas de todo. Além disso, os incidentes são mais frequentemente comunicados por pessoas com quem as vítimas se relacionam. Além disso, as restrições relacionadas com a COVID-19 impediram a denúncia devido à falta de contactos sociais. Por conseguinte, mais casos do que o habitual podem não ter sido detectados. Consequentemente, pode presumir-se que existe um elevado número de casos não comunicados.
Esta lógica pode explicar por que razão, para além de um aumento dos casos de violência doméstica registados em muitas áreas, houve uma diminuição dos números noutras. Isto pode dever-se ao facto de o agressor estar sempre presente em casa, de modo que a vítima não tinha oportunidade de pedir ajuda e/ou denunciar um crime sem correr o risco de uma escalada.O documento “A pandemia de COVID-19 e a violência dos parceiros íntimos contra as mulheres na UE”20 apresenta uma panorâmica preliminar das medidas tomadas em toda a UE para apoiar as vítimas de violência durante o surto de COVID-19 (de março até ao final de setembro de 2020). Identifica exemplos de práticas promissoras e apresenta recomendações iniciais para a UE e os Estados-Membros sobre a melhor forma de apoiar as vítimas durante a pandemia, bem como noutras potenciais crises.
Recomendações para combater e detectar melhor a violência doméstica durante a pandemia
As medidas de confinamento para conter a COVID-19 na primavera de 2020 também chamaram cada vez mais a atenção do público e da polícia para a questão da violência doméstica.Foi noticiado nos meios de comunicação social, na política e pelas ONG que, em condições de COVID-19, especialmente as mulheres e as crianças são vítimas de um aumento da violência. O Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE) também apoiou os apelos para que a UE e os seus Estados-Membros utilizem a pandemia de COVID-19 como uma oportunidade para intensificar os seus esforços para proteger os direitos das mulheres.21
A Organização Mundial de Saúde (OMS) e a ONU Mulheres sublinharam a importância da recolha de dados durante a pandemia de COVID-19, que constitui um instrumento crucial para atenuar os efeitos adversos nas mulheres e raparigas afectadas pela violência e para desenvolver estratégias de prevenção para crises futuras. Para o futuro, é crucial que a investigação forneça políticas e respostas práticas imediatas e a longo prazo.22, 23
Foram formuladas as seguintes recomendações:
- As autoridades responsáveis pela aplicação da lei devem garantir que os incidentes de violência doméstica recebam máxima prioridade e que as manifestações de violência associadas à COVID-19 sejam abordadas.
- O sector da saúde deve sempre garantir que as vítimas de violência doméstica tenham acesso a informações e serviços de saúde sexual e reprodutiva.
- Os serviços de apoio do sector social devem prestar mais serviços de apoio em linha em caso de crise, tais como linhas directas e chats. Os serviços de cuidados de emergência/creche devem ser alargados a todas as famílias – e não apenas aos pais que trabalham em empregos sistemicamente importantes.
Como podem as vítimas de violência doméstica ser apoiadas durante uma pandemia?
- Se as vítimas de violência doméstica não quiserem recorrer à polícia ou aos serviços de apoio, por não confiarem nas instituições estatais ou por já terem tido más experiências, o primeiro passo para sair da situação de violência pode ser dado através de linhas de apoio ou de chats, quando feito em segurança em casa. Posteriormente, é possível obter mais ajuda.
- É importante que as vítimas sejam sempre informadas de que a culpa nunca é delas e que o que está a acontecer é errado. Uma declaração clara e a condenação da violência doméstica nos meios de comunicação social – especialmente em tempos de pandemia – ajudam as pessoas afectadas a procurar mais apoio.
- As preocupações com as consequências económicas após a separação podem tornar difícil para as vítimas de violência doméstica encontrar uma saída para a sua situação. Algumas vítimas dependem financeiramente do seu parceiro, por exemplo, porque já não podem exercer uma atividade profissional remunerada devido à prestação de cuidados a familiares e à guarda de crianças, ou porque foram despedidas no decurso da pandemia de COVID-19. Alguns países, como a Alemanha, dispõem de um sistema de assistência funcional para aliviar as dificuldades financeiras das vítimas de violência doméstica após uma separação. Noutros paíse este não é o caso.
- A informação escrita sobre a violência nas relações íntimas e a violência doméstica deve estar disponível em espaços públicos sob a forma de cartazes e brochuras ou folhetos que são disponibilizados em áreas privadas, como instalações sanitárias (com avisos adequados para não os levar para casa se o agressor lá estiver). A oferta de um código QR que conduza a um sítio Web com mais informações pode ajudar. Os cartazes, brochuras ou folhetos devem ser dirigidos a mulheres e homens vítimas de violência doméstica e não utilizar estereótipos. A designação de pessoas de contacto concretas no local e a disponibilização de números de telefone de centros de aconselhamento ou de sítios Web que ofereçam aconselhamento (anónimo) podem ajudar as vítimas de violência doméstica a procurar ajuda.
- Em caso de ameaça grave, a vítima deve ligar para o número de emergência da polícia. Deve indicar o seu nome, endereço, informações complementares e, se for caso disso, a posse de uma arma pelo agressor, e sublinhar a necessidade de ajuda imediata. Até à chegada da polícia, as vítimas e as crianças devem colocar-se em segurança, por exemplo, junto de vizinhos ou de lojas.
4. Cooperação entre agências com enfoque na polícia
Estudo de caso: A violência doméstica tem um impacto negativo nas crianças
Gabby casou-se com o seu marido Nick após uma longa relação e pouco tempo depois mudou-se para a quinta da família do marido. O casal era feliz na quinta e em breve teve o seu primeiro filho. Durante a gravidez, o comportamento de Nick começou a mudar e, quando a filha nasceu, a relação já não era a mesma de antes. Nick parecia retraído e passava longos períodos sozinho. Começou a fazer lembrar a Gabby o pai de Nick, que sempre tinha sido uma presença severa na sua vida.
O comportamento de Nick tornou-se ameaçador e controlador, especialmente em relação ao dinheiro e ao contacto social. Era cada vez mais agressivo nas discussões e frequentemente gritava e atirava objectos pela sala. Gabby achava que, como ele não a estava a magoar fisicamente, o seu comportamento não era considerado abuso. Nick não mostrava muito interesse pela filha Jane, excepto quando estava em público, onde aparentava ser um pai carinhoso e amoroso.
De uma forma geral, Jane era uma criança bem comportada, mas Gabby descobriu que não conseguia deixá-la com mais ninguém. Jane chorava e ficava visivelmente angustiada quando Gabby a entregava a outra pessoa para ser amamentada. Esta situação era stressante para Gabby e também significava que as suas actividades sociais eram ainda mais limitadas.
Jane demorou muito tempo a gatinhar, a andar e a começar a falar. Os seus padrões de sono eram interrompidos e, muitas vezes, Gabby não dormia a noite toda, mesmo quando Jane tinha mais de 12 meses de idade. Quando Jane começou a falar, começou a gaguejar, o que dificultou ainda mais o desenvolvimento da sua fala. Gabby preocupava-se muito com Jane. A médica de família disse-lhe que isso era normal nalgumas crianças e que, se os problemas de fala persistissem, ela poderia sempre enviar Jane a um especialista mais tarde.
Passados alguns anos, o comportamento de Nick tornou-se inaceitável para Gabby. Durante as discussões, Nick agarrava na espingarda que tinha para fins agrícolas, o que Gabby considerava muito ameaçador. Em várias ocasiões, os objectos que Nick atirava atingiram Gabby, que temia cada vez mais pela sua filha. Gabby decidiu ir-se embora e consultou o serviço local de apoio às mulheres, que a ajudou a obter uma ordem de intervenção contra Nick.
Quando Gabby afastou Jane de Nick, o seu comportamento mudou. O desenvolvimento de Jane parecia ter acelerado e Gabby não conseguia perceber porquê. No âmbito do seu aconselhamento num serviço local para mulheres, Gabby discutiu este assunto e a conselheira reconheceu que o atraso no desenvolvimento, a gaguez, a irritação e a ansiedade de separação eram efeitos da situação de abuso em que Jane se encontrava anteriormente.
Isto pode ser visto como uma oportunidade perdida para identificar a violência familiar. Se o médico de família tivesse perguntado à Gabby ou ao Nick (que tinha apresentado dores crónicas nas costas) sobre a sua relação, sobre o que estava a acontecer à família e, especificamente, à Jane, a situação poderia ter sido identificada muito mais cedo.
Tarefas para reflexão
a) O que poderia ter sido feito melhor pelos intervenientes?
b) Reserve um momento para reflectir sobre as entidades e os profissionais que deveriam ter estado envolvidos no apoio e/ou na prestação de serviços à Gabby desde o início.
c) Faça uma lista dos diferentes profissionais que compõem a equipa multidisciplinar da sua organização e que podem estar envolvidos na prestação de serviços a pessoas que sofreram violência doméstica (isto irá variar consoante o local onde se encontra).
O vasto leque de profissionais, serviços prestadores e agências especializadas que podem estar envolvidos no apoio às vítimas-sobreviventes de violência doméstica pode incluir – mas não se limita a – serviços de cuidados de saúde primários e secundários, serviços de saúde mental, serviços de violência sexual, assistência social, agências de justiça criminal, polícia, liberdade condicional, justiça juvenil, abuso de substâncias, agências especializadas em violência doméstica, serviços para crianças, serviços de habitação e educação.
Adaptado de um estudo de caso do RACGP (2014): Abuso e Violência: Trabalhar com os nossos doentes em clínica geral.
Encaminhamento para prestadores de serviços sociais e de saúde
Trabalhar com outros prestadores de serviços para desenvolver e aplicar protocolos integrados e redes de encaminhamento eficazes para:
- Ligar as vítimas aos serviços sociais e de saúde necessários, como abrigos, instituições de assistência médica e psicológica,
- institucionalizar esforços coordenados,
- desenvolver normas para os serviços de encaminhamento,
- assegurar que todas as comunicações entre os prestadores de serviços sejam isentas de juízos de valor, empáticas e de apoio,
- identificar a necessidade de protocolos normalizados de partilha de dados.
Comunicação entre os serviços de justiça
Assegurar a partilha eficaz de informações entre os prestadores de serviços de justiça, nomeadamente
- o consentimento informado para a divulgação de informações é solicitado à vítima/sobrevivente e/ou aos pais/encarregados de educação e representante legal, sempre que possível,
- as informações são partilhadas de acordo com os requisitos de privacidade e confidencialidade,
- a divulgação de informações se destine ao objectivo para o qual foram obtidas ou compiladas ou a uma utilização coerente com esse objetivo,
- desenvolver protocolos e mecanismos de encaminhamento que promovam um fluxo de informação atempado e eficiente entre os prestadores de serviços.
Procedimentos e partilha de informações
As entidades devem estabelecer procedimentos escritos sobre a avaliação e gestão de riscos, em especial sobre os objectivos, responsabilidades e funções dos profissionais, duração e metodologias de avaliação e gestão de riscos, nomeadamente:
- a identificação de fontes de informação relevantes, como o historial de violência revelado pela vítima/sobrevivente;
- a definição dos instrumentos a utilizar;
- a concepção de planos de segurança situacionais.
As informações obtidas a partir da avaliação do risco devem constar de um relatório escrito, claro e objectivo, e abranger vários domínios: antecedentes de violência, antecedentes psico-sociais, ajustamento psico-social actual do infractor, contexto da experiência da vítima/sobrevivente e parecer conclusivo sobre o risco de violência apresentado.
A cooperação multi-institucional é da maior importância para aumentar a segurança das mulheres e das crianças e exige um processo de partilha de informações.
A partilha de informações entre diferentes organizações pode contribuir para este objectivo:
- encontrar novas ideias e soluções no domínio da prevenção e da intervenção, tornando-as mais coerentes e eficazes,
- minimizar novos incidentes de violência doméstica.
A partilha de informações pode entrar em conflito com um dos princípios básicos da intervenção: a confidencialidade e o direito à privacidade. As estratégias de recolha e divulgação de informação devem ter em conta as normas éticas aceites, respeitando os direitos humanos.
A partilha de informações deve respeitar os seguintes princípios.
- Segurança: a informação deve ser partilhada de forma segura e não deve aumentar o nível de risco para a vítima/sobrevivente e para as crianças, colocando-as numa situação mais vulnerável.
- Objectividade: a informação deve ser transmitida de forma objectiva, sem qualquer juízo de valor.
- Necessidade: apenas devem ser consideradas as informações relevantes para a criação de um plano de segurança eficaz.
5. Processo penal em casos de violência doméstica
No processo penal relativo a casos de violência doméstica, são seguidas várias etapas essenciais para garantir uma resposta completa e justa.
- A violência doméstica ocorre: Em primeiro lugar, o processo começa normalmente quando ocorre um incidente de violência doméstica num ambiente doméstico ou familiar ou numa (antiga) relação. Esta situação pode envolver várias formas de violência, incluindo física, psicológica, sexual, digital ou financeira.
- Denúncia: A denúncia do incidente é frequentemente efectuada pela vítima ou por uma parte interessada e constitui o início formal do processo judicial. A denúncia pode ser uma decisão difícil para a vítima, e a decisão da vítima de não denunciar deve ser respeitada. No entanto, a denúncia da violência pode ser um passo importante para procurar assistência e responsabilizar os agressores. Em alguns países europeus, como por exemplo em França, a investigação policial prossegue mesmo quando a vítima não deseja apresentar queixa.
- Documentação: A documentação envolve a recolha de depoimentos da vítima, de testemunhas e do alegado agressor. Para além dos relatos verbais, os agentes podem recolher provas físicas, tais como fotografias de ferimentos, e guardar quaisquer documentos ou objectos relevantes que possam ser utilizados como prova em tribunal.
- Apoio: Simultaneamente, é oferecido apoio e protecção imediatos às vítimas. Este apoio pode incluir cuidados médicos para os ferimentos, serviços de aconselhamento ou abrigos para garantir a sua segurança. Podem ser envolvidos assistentes sociais ou organizações de apoio para dar resposta às necessidades emocionais e práticas da vítima durante este período difícil.
- Investigação: Uma fase crítica do processo é a fase de investigação. As entidades responsáveis pela aplicação da lei efectuam um exame minucioso do caso, com o objectivo de criar um processo abrangente. Isto implica a recolha de provas adicionais, a entrevista de testemunhas e a avaliação da credibilidade de todas as partes envolvidas. O objectivo é determinar se existem provas suficientes para suportar acusações criminais contra o alegado autor.
- Acusação: Finalmente, se a investigação produzir provas suficientes, o caso é remetido para o Ministério Público. O Ministério Público analisa o caso e decide se apresenta queixa contra o alegado autor do crime. Se forem apresentadas queixas, o processo judicial avança. Este processo pode envolver audiências em tribunal, julgamentos e eventuais sanções para o arguido, com o objectivo final de garantir a justiça, proteger as vítimas e responsabilizar os agressores pelos seus actos.
A ilustração seguinte mostra os passos individuais do processo penal em casos de violência doméstica e explica a sua interligação:
6. Processo penal nos casos de violência doméstica em Portugal
O número de telefone de emergência para contactar as autoridades policiais é o 112, servindo também para assistência médica.
A lei portuguesa classifica a violência doméstica como crime público, reforçando as medidas de protecção das vítimas. A Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, estabelece o regime jurídico da prevenção e do combate à violência doméstica. Define de forma abrangente o conceito de violência doméstica, as responsabilidades institucionais e estabelece directrizes de intervenção.
Quando um caso de violência doméstica é denunciado, normalmente, a PSP (Polícia de Segurança Pública) efectua uma avaliação de risco para avaliar a situação. Nos casos em que o factor de risco é elevado, é estabelecido um plano de segurança da vítima, a par da recolha de provas. A polícia também facilita a separação entre a vítima e o agressor, muitas vezes através de unidades especializadas como o GAIV.
As vítimas são encaminhadas para serviços de apoio, como o Espaço Maria ou o Espaço Júlia, onde podem aceder a aconselhamento, apoio jurídico e outras formas de assistência. A mediação não é aplicável nestes casos devido ao carácter criminal da violência doméstica. Após a recolha de provas e entrevistas com as partes envolvidas, é apresentado um relatório policial do incidente, que serve como potencial prova em processos judiciais subsequentes.
É feita uma reavaliação do risco (RNAVVD) e, se necessário, pode ser activado o programa de teleassistência. A polícia pode propôr medidas coercivas contra o agressor no âmbito da protecção da vítima. O plano de segurança da vítima pode ser revisto se necessário, com a aplicação de medidas policiais de protecção adicionais.
Durante todo o processo judicial, o Ministério Público desempenha um papel crucial na defesa dos direitos e interesses da vítima. Pode requerer medidas de protecção, incluindo providências cautelares, para garantir a segurança da vítima. As acusações do Ministério Público podem ser encaminhadas para os tribunais criminais ou civis para obter indemnização por danos.
Os tribunais de família tratam das providências cautelares relacionadas com crianças e com questões de responsabilidade parental, envolvendo frequentemente a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens. O Ministério Público pode solicitar um exame médico-legal no âmbito do processo judicial. No caso de audiências ou julgamentos em tribunal, o infrator é sujeito a interrogatório.
As opções de condenação em casos de violência doméstica podem incluir ordens de restrição, aconselhamento obrigatório, serviço comunitário e, em casos graves, a revogação de licenças de armas de fogo.
7. Módulo de integração da avaliação de riscos (RAIMO)
Os objectivos de aprendizagem deste módulo consistem em familiarizar-se com o processo de avaliação dos riscos de violência doméstica, com os factores de risco e de vulnerabilidade e com o objectivo da cooperação entre vários organismos na gestão dos riscos.
Caro profissional da linha da frente, bem-vindo a aprender sobre o processo de avaliação do risco de violência doméstica num contexto multi-profissional!
O objectivo desta ferramenta modular é associar vários procedimentos de avaliação de risco e melhorar a identificação da violência doméstica entre as agências-chave (por exemplo, agentes da polícia, profissionais de assistência social e de saúde, trabalhadores de ONG, educadores) que entram em contacto com vítimas-sobreviventes e agressores. Esta ferramenta demonstra diferentes factores de risco e diferentes abordagens para identificar e responder ao risco.
Esta ferramenta pode ser utilizada, por exemplo, como material de formação ou como base de dados.
Apresentamos as quatro etapas do processo de avaliação de risco de violência doméstica, desde a identificação do risco até ao acompanhamento.
A secção “Boa leitura” fornece-lhe as leituras que são recomendadas. Na secção Materiais, encontrará itens que podem ser impressos, tais como listas de verificação. Não se esqueça de imprimir a sua própria versão de bolso da lista de verificação da avaliação de riscos – com ela, pode salvar a vida de alguém.
Conteúdo:
Etapa 1: Identificação dos factores de risco
Etapa 2: Avaliação de riscos
Etapa 3: Definição das acções necessárias
Etapa 4: Acompanhamento
Boa leitura
Materiais
Etapa 1: Identificação dos factores de risco
Os objectivos de aprendizagem deste módulo são familiarizar-se com os factores de risco e de vulnerabilidade da violência doméstica e compreender porque razão todos os profissionais devem ter conhecimentos básicos sobre a identificação de riscos.
A avaliação do risco é um processo que começa com a identificação da presença de factores de risco e a determinação da probabilidade de ocorrência de um acontecimento adverso, das suas consequências e do seu momento.24,25
Esta é a Nora. Ela será a nossa guia na demonstração dos passos da avaliação de riscos.
Leia primeiro sobre o caso da Nora e depois saiba mais sobre a identificação de riscos.
Cenário de caso
Nora é uma mulher de 34 anos, oriunda da imigração. Vive no seu país há três anos com os pais e as irmãs. Nora casou-se com Peter há dois anos. Peter é filho de um amigo da família dos pais de Nora. A família de Nora provém de uma cultura patriarcal em que a comunidade vem antes do indivíduo.
O casamento de Nora com Peter foi um alívio para a família de Nora, uma vez que, na sua cultura, uma mulher da idade de Nora não deveria ser solteira. No entanto, pouco depois de Nora e Peter se casarem, Peter começou a controlar o seu comportamento quotidiano. Peter não deixa Nora ver os seus amigos nem ir a lado nenhum sem estar na sua companhia. Um curso de línguas que é obrigatório é o único sítio onde Nora pode deslocar-se sozinha.
Peter retira o cartão de débito de Nora e contrai empréstimos em seu nome. Quando Nora tenta resistir, Peter torna-se violento e abusa dela. Peter ameaça mandar Nora de volta para o seu país de origem.
Nora revela a situação aos seus pais, pedindo-lhe ajuda. Primeiro, os pais levam a sério o comportamento violento de Peter, mas de repente o pai de Nora morre. A mãe de Nora, em luto, não é capaz de se opor sozinha à vontade de Peter.
Ao mesmo tempo, Peter espalha boatos sobre a imoralidade de Nora, a fim de justificar as suas acções violentas perante a comunidade. Os boatos humilham a família de Nora. A comunidade pressiona a mãe de Nora e as famílias das suas irmãs a limparem o seu nome.
A mãe de Nora implora-lhe que fique com Peter para acalmar a situação e as suas irmãs pedem-lhe que não incomode mais a mãe com o assunto. Nora sente-se responsável pela violência e pela reputação da sua família e aceita que divorciar-se de Peter está fora de questão.
Com o passar do tempo, a violência torna-se mais grave e mais frequente. Numa ocasião, Peter estrangula Nora durante tanto tempo que ela perde a consciência. Após o estrangulamento, começa a ter problemas de fala, especialmente em situações de stress. Nora sente-se isolada, desamparada e deprimida.
Peter ameaçou partilhar algumas fotografias privadas de Nora em público se Nora “arruinar a sua reputação como marido”, como ele diz. Nora sente-se ansiosa porque não pode falar com ninguém – nem mesmo com a sua família – sobre os seus sentimentos.
Esta era a história de Nora. Dedique um minuto a pensar nas seguintes questões:
(1) Que actos, situações ou condições colocam Nora em perigo?
(2) Quais as situações descritas na história que considera infelizes mas que não são da sua competência enquanto profissional da linha da frente?
Podem existir alguns factores de risco que não dizem respeito à sua profissão. No entanto, a identificação e a documentação desses factores de risco são importantes para se ter uma compreensão global das fontes de risco. Isto é necessário na fase de gestão dos riscos.
Agora, leia mais sobre a identificação e documentação dos factores de risco.
Factores de risco a identificar
Factores críticos de risco de violência doméstica
Ponto essencial: Podem existir alguns factores de risco que não dizem respeito à sua profissão. No entanto, identificar e documentar esses factores de risco é importante para se ter uma compreensão abrangente de todas as fontes de risco. Isto é necessário na fase de gestão do risco.
Vários factores podem indicar uma escalada da violência doméstica. Todas as pessoas que intervêm na linha da frente devem ter formação e conhecimentos suficientes para poderem identificar estes factores de risco críticos. Por “todos os intervenientes na linha da frente”, entendemos agentes da polícia, detectives criminais, assistentes sociais, enfermeiros, médicos, educadores ou trabalhadores de ONG.
No quadro seguinte, apresentamos os factores de risco críticos e as respectivas explicações.
Factor de risco | Justificação |
Violência física anterior | A violência física anterior é o melhor indicador de violência futura |
A violência está a ocorrer com mais frequência ou a violência é mais intensa (prejudicial, lesiva) | A escalada ao longo do tempo é caraterística de algumas relações violentas, sobretudo quando o agressor é persistente e tem comportamentos graves. É de notar que nem todos os incidentes violentos são comunicados às equipas de intervenção da linha da frente, pelo que é possível que as avaliações feitas pelas vítimas-sobreviventes tenham em conta todos os actos de violência, incluindo os comportamentos não físicos e o controlo coercivo.26 |
Controlo coercivo | O controlo coercivo é um padrão de comportamento que intimida e amedronta a vítima. |
Ciúme extremo Pensamento obsessivo | O ciúme extremo e o pensamento obsessivo são factores de risco para a violência doméstica. O ciúme grave pode ser um factor de risco crucial. Os casos graves de ciúme podem também preencher os critérios de diagnóstico de perturbação delirante. Por conseguinte, os ciúmes nas relações íntimas devem ser avaliados no âmbito de uma avaliação psiquiátrica.27 |
A vítima trocou de parceiro | A vítima que abandona um parceiro abusivo por outro parceiro constitui um factor de risco significativo para o femicídio*.28 |
Enteado do agressor em casa | Ter uma criança a viver em casa que não é filha biológica do parceiro abusivo mais do que duplica o risco de femicídio*.29 |
Estrangulamento | O estrangulamento no contexto da violência doméstica é um factor de risco de “bandeira vermelha” para futuros danos graves e morte.30 O estrangulamento prévio não fatal aumenta o risco de tentativa de homicídio em mais de seis vezes e de homicídio consumado em mais de sete vezes.31 |
A vítima-sobrevivente está a tentar divorciar-se/separar-se ou divorciou-se/separou-se | O risco de femicídio por parceiro íntimo aumentou 9 vezes com a combinação de um agressor altamente controlador e a separação do casal depois de viverem juntos*.32 |
Problemas de saúde mental do agressor | Existe uma relação significativa entre problemas de raiva, ansiedade, depressão, comportamento suicida, perturbações da personalidade, alcoolismo ou problemas com o jogo e a perpetração de violência doméstica.33 |
Problemas de abuso de substâncias do agressor/vítima-sobrevivente Acesso do autor do crime a uma arma de fogo | Tanto o acesso do agressor a uma arma de fogo como o consumo de drogas ilícitas pelo agressor estão fortemente associados ao femicídio por parceiro íntimo. Nem o abuso de álcool nem o consumo de drogas pela vítima foram associados de forma independente ao risco de ser morta*.34 No entanto, o problema de abuso de substâncias de uma vítima-sobrevivente pode impedi-la de procurar ou receber ajuda, uma vez que pode não ser considerada uma “vítima ideal.35 |
Isolamento social | O isolamento social tem sido associado ao risco de ser vítima de abuso.36 O isolamento social pode também ser uma consequência do comportamento controlador do agressor. |
Alterações negativas na vida do agressor e stress económico | Como o desemprego ou a falência. O stress económico pode aumentar o risco de violência doméstica, mas a violência doméstica pode também causar problemas financeiros às vítimas e prendê-las na pobreza e numa relação abusiva.37 |
Outras formas de violência doméstica | Incluindo, por exemplo, a violência económica, sexual, psicológica, química e digital, a negligência, o casamento forçado, a MGF e o tráfico de seres humanos. |
A vítima-sobrevivente está grávida ou tem um bebé | Os maus-tratos durante a gravidez são um factor de risco significativo para um futuro femicídio.38 |
Violência contra animais de companhia | Existe uma correlação entre a crueldade para com os animais e a violência doméstica e familiar. Os maus-tratos ou ameaças de maus-tratos contra animais de companhia podem ser utilizados pelos agressores para controlar e intimidar os membros da família. |
Ameaça de morte | Nas relações de intimidade, as ameaças de morte são frequentemente genuínas. |
Informações relacionadas com o risco a verificar por cada profissional
Os principais organismos devem trabalhar com base num entendimento comum do risco, mas a natureza do seu trabalho pode significar que serão capazes de identificar diferentes factores de risco. A perspectiva de um agente da polícia é diferente da perspectiva de um assistente social. No quadro seguinte, apresentamos os factores de risco que se relacionam com as perspectivas dos diferentes profissionais.
POLÍCIA | TRABALHO SOCIAL/EDUCAÇÃO | CUIDADOS DE SAÚDE |
O autor do crime tem acesso a armas de fogo. | A vítima não pode encontrar-se sozinha com um assistente social. | A vítima apresenta sintomas de estrangulamento. |
O autor do crime utilizou uma arma no acontecimento mais recente. | Sinais de comportamentos de dependência de substâncias ou de outras substâncias, incluindo a co-dependência (por parceiros ou familiares). | A vítima não está autorizada a ver o enfermeiro/médico sozinho ou a vítima parece receosa. |
O autor do crime tem registos criminais anteriores, especialmente registos de crimes violentos. | Sinais de comportamento de conflito que podem levar a uma potencial escalada do conflito. | A vítima apresenta lesões anteriores (parcialmente cicatrizadas) causadas por traumatismos. |
O agressor já violou anteriormente uma ordem de restrição. | O agressor está a sofrer níveis elevados de stress. | Depressão da vítima ou/e do agressor ou sintomas de PTSD da vítima. |
Mais de três visitas ao domicílio no mesmo endereço no espaço de um ano. | Tentativas de suicídio da vítima ou do agressor. |
Factores de vulnerabilidade da vítima
Ponto-chave: A identificação dos factores de vulnerabilidade da vítima ajuda os profissionais a convidar os organismos-chave relevantes para a cooperação, a apoiar a vítima de uma forma holística e a reforçar a capacidade da vítima para seguir as estratégias de segurança.
Os factores de vulnerabilidade da vítima estão relacionados com a pessoa e as circunstâncias de vida da vítima. Podem estar relacionados, por exemplo, com a capacidade de confiar nas autoridades públicas, de deixar o agressor ou de depender dele. No entanto, estas não são razões pelas quais o abuso acontece. Os agressores podem optar por explorar as vulnerabilidades das vítimas; as experiências e circunstâncias de vida de algumas vítimas podem tornar mais difícil sobreviver ou escapar aos maus-tratos. Em seguida, enumeramos os factores de vulnerabilidade e explicamos porquê e como estes factores podem afectar os recursos e as situações de vida da vítima, bem como a sua capacidade de cooperar com os profissionais.
Pessoa idosa
- A vítima pode ser dependente de um familiar violento ou pode ser a única pessoa responsável por cuidar de um familiar violento. Assim, deixar um familiar violento pode não ser uma opção para a vítima. A vítima pode já estar socialmente isolada.
- A saída pode exigir a mudança para um novo endereço e a obtenção das informações de contacto.
- O agressor pode ter sofrido de esgotamento do prestador de cuidados.
- Uma pessoa idosa pode sentir uma vergonha enorme pela situação, especialmente se o agressor for um filho adulto.
- Os maus-tratos podem assumir várias formas, tais como maus-tratos físicos, sexuais, emocionais ou financeiros, negligência, isolamento e abandono. É também necessário ter em conta os sinais de privação da dignidade (por exemplo, aspecto desarrumado, roupa suja) ou da escolha dos assuntos quotidianos, bem como os sinais de cuidados insuficientes (por exemplo, úlceras de pressão) ou de medicação excessiva ou insuficiente.39
Menor
- Os menores estão quase sempre dependentes dos autores dos crimes.
- Crescer num ambiente hostil normaliza as experiências de violência e, por isso, as vítimas podem não perceber as suas experiências como violência.
- Os menores podem pensar que as suas experiências não são acreditadas pelas pessoas de fora.
- Os padrões de controlo coercivo, como a restrição, o isolamento e a privação da liberdade pessoal, podem ser difíceis de discriminar da educação parental e das medidas de protecção.
Nota: Nalgumas famílias de imigrantes ou com um forte controlo social ou religioso, as diferenças entre valores culturais, estilos de vida e opiniões podem gerar conflitos entre os menores e os seus pais. Os contactos não diplomáticos ou as medidas precipitadas das autoridades podem aumentar o risco de os pais enviarem a criança para o seu país de origem, para um colégio interno ou para ser educada por familiares. Esta situação pode aumentar o risco de MGF, de casamento entre crianças, bem como de interrupções na educação, nas relações sociais e na integração.
Pessoa com deficiência
- As pessoas com deficiência podem ser funcionalmente dependentes do agressor na vida quotidiana, necessitando de assistência para se deslocarem, comerem, comunicarem e tomarem medicamentos.
- Os familiares ou prestadores de cuidados violentos podem sofrer de esgotamento do prestador de cuidados.
- As vítimas-sobreviventes podem ter dificuldade em fazer-se ouvir, compreender ou acreditar.
O agressor pode explicar as lesões como acidentes causados pela discinesia.
Dependência do agressor
Existem várias formas de dependência, como a dependência financeira e a dependência emocional. Além disso, razões estruturais, como as relações hierárquicas entre os géneros ou a disparidade rural, contribuem para as dependências; por exemplo, quando comparadas com as mulheres urbanas, as mulheres rurais registam taxas mais elevadas de violência doméstica, mas vivem mais longe dos recursos disponíveis.40
Antecedentes dos refugiados
As taxas de perturbações de saúde mental, como as perturbações de ansiedade, a PSPT e a depressão, são mais elevadas nas populações de refugiados do que na população em geral. Esta maior vulnerabilidade está ligada a experiências anteriores à migração, como a exposição à guerra e a traumas.41 Além disso, as barreiras linguísticas ou as experiências negativas com a polícia e a desconfiança em relação às autoridades podem impedir as vítimas de procurar ajuda.
Sem-abrigo
A situação de sem-abrigo é frequentemente uma consequência da violência doméstica e aumenta a vulnerabilidade e a dependência da vítima. A marginalização social pode impedir as vítimas de procurar ajuda.
A vítima pertence a uma minoria étnica
As barreiras linguísticas, as experiências negativas ou discriminatórias com a polícia, o medo de não ser acreditado, as experiências de racismo, a marginalização social ou o poder das sociedades paralelas podem impedir as vítimas de procurar ajuda.
A vítima pertence a uma minoria sexual ou de género
A vítima pode recear ser “denunciada” a familiares, amigos e colegas de trabalho se apresentar queixa de violência doméstica à polícia. A vítima pode recear ser discriminada ou tratada de forma desrespeitosa pela polícia.
Medo forte
O medo de um parceiro abusivo pode enfraquecer a capacidade das mulheres para melhorarem a sua situação de vida.42 Uma atmosfera de medo é susceptível de aumentar os padrões de pensamento desadaptativos, inibindo a resolução de problemas e aumentando a negação e o evitamento.43
Problemas de saúde mental
Para além de ser uma consequência da violência doméstica, por exemplo, a perturbação de stress pós-traumático (PTSD) pode também ser um factor de risco para a re-vitimização da VPI.44
A família ou a comunidade está a justificar a violência com base na honra/cultura/religião
Se a família ou a comunidade da vítima aprovar e justificar a violência, a vítima pode sentir-se extremamente assustada, isolada, coagida e controlada. A vítima pode sentir-se impotente para procurar ajuda. Para muitas vítimas, pode ser impensável abandonar toda a sua comunidade para viver sem violência e, mesmo que o fizessem, o facto de abandonarem a família ou a comunidade pode agravar a violência.
Directrizes para a documentação de casos
Ponto-chave: A documentação de casos de violência doméstica é um procedimento importante. Os profissionais podem necessitar de informação previamente documentada no processo dinâmico de avaliação e gestão do risco. As ferramentas normalizadas de avaliação de risco apoiam o trabalho dos profissionais da linha da frente na documentação do caso.
Uma vez que a avaliação de risco é – ou pelo menos deveria ser – um processo dinâmico que precisa de ser recomeçado se a situação de risco se alterar, a documentação do caso de violência doméstica e dos seus factores de risco é um procedimento importante. Uma documentação cuidadosa do caso deve garantir que o profissional encontre informações previamente documentadas para rever a avaliação de risco. Os instrumentos normalizados de avaliação de risco apoiam o trabalho dos profissionais da linha da frente na documentação do caso. No entanto, a avaliação de risco não deve pôr em perigo a segurança da vítima em nenhum momento. Assim, devem existir protocolos claros e restrições de segurança para documentar a avaliação do risco, a gestão do risco e determinados factores de risco. Por exemplo, estes dados não devem ser incluídos nos registos da investigação pré-julgamento que fazem parte do processo judicial: o agressor não deve ter acesso à documentação da avaliação de risco das vítimas-sobreviventes. A protceção de dados e os limites da confidencialidade, bem como o consentimento da vítima-sobrevivente para a partilha de informações, são questões fundamentais quando se intervém na violência doméstica e nos maus tratos.45
Nos quadros seguintes, apresentamos as directrizes básicas para a documentação do caso.
Orientações gerais para a documentação do caso |
Documentar o formulário confidencial de avaliação dos riscos: 1. todos os factores de risco identificados 2. a sua avaliação global da situação de risco 3. avaliação pela própria vítima do seu nível de risco e do seu medo de ser morta |
Directrizes para a documentação de casos para a polícia, o serviço social e os cuidados de saúde
POLÍCIA | TRABALHO SOCIAL | CUIDADOS DE SAÚDE |
Documento para o relatório do crime: 1. uma descrição verbal de todas as lesões e outros sinais de violência 2. sempre que possível, por exemplo, fotografias das lesões, outras fotografias, vídeos, transcrições de mensagens | Documento para a base de dados de cidadãos/clientes: 1. cooperação e comunicação específicas para cada caso com outros RPF 2. comportamentos específicos comunicados, por exemplo, quem fez o quê a quem e quem forneceu a informação 3. impacto na criança 4. factores de proteção conhecidos da criança, do adulto vítima e do autor do crime | Documento para a base de dados de doentes: 1. códigos de diagnóstico correctos e seguir todos os procedimentos de registo definidos para situações de violência doméstica 2. fotografias das lesões 3. utilização do esquema corporal |
Etapa 2: Avaliação dos riscos
Os objectivos de aprendizagem deste módulo consistem em familiarizar-se com o procedimento de avaliação do risco de violência doméstica, os diferentes instrumentos de avaliação do risco e os momentos de alto risco que podem aumentar o risco.
A avaliação de risco é uma fase durante a qual se avalia o nível do risco e a sua natureza. Comece por ler a forma como é que os riscos são avaliados no caso da Nora. Em seguida, dê uma vista de olhos aos factores de risco, à avaliação do risco e aos momentos de alto risco, bem como aos aspectos das melhores práticas de avaliação de risco e às ferramentas de avaliação do risco descritas no Módulo 5.
Cenário de caso: Nora
Um dia, Nora encontra o número de telefone de uma ONG que ajuda mulheres imigrantes. O serviço telefónico também está disponível na língua materna de Nora. Nora liga anonimamente para o telefone do serviço para pedir aconselhamento jurídico sobre o que é que acontece à sua autorização de residência em caso de divórcio. A funcionária da ONG faz perguntas a Nora sobre a sua situação de vida. Nora revela a sua situação difícil e a sua ansiedade.
O funcionário da ONG vai ter com Nora à escola depois do curso de línguas, pois é o único sítio onde Nora pode ir sozinha. Com o consentimento de Nora, o trabalhador da ONG contacta a polícia e um assistente social responsável.
Nalguns países da UE, a legislação permite que os profissionais partilhem e troquem informações para uma avaliação mais exaustiva dos riscos, se tal for necessário para proteger uma criança, para prevenir um acto violento ou se a vítima tiver dado o seu consentimento. No entanto, noutros países da UE, não existe qualquer apoio legislativo em relação ao intercâmbio de informações entre a polícia, o serviço social ou os sectores da saúde. Por conseguinte, os mecanismos multi-agências na UE vão desde a adopção de mecanismos formais ou informais de encaminhamento até à presença de equipas ou conferências multidisciplinares que são obrigadas por legislação ou por documentação política sobre avaliação de riscos.
A Convenção de Istambul exige que os Estados Partes adoptem as medidas legislativas ou outras necessárias para garantir que todas as autoridades competentes procedam a uma avaliação do risco de letalidade, da gravidade da situação e do risco de violência repetida, a fim de gerir o risco e, se necessário, proporcionar segurança e apoio coordenados.
O próximo exemplo de como o caso de Nora é introduzido no processo de avaliação de risco multi-agências baseia-se nos requisitos da Convenção de Istambul. Não obstante, esta inclusão pode diferir da sua legislação nacional.
Com o consentimento de Nora, a polícia, o assistente social, o trabalhador da ONG e um representante do sector da saúde participam numa conferência de avaliação do risco. Nora deu o seu consentimento para que os profissionais possam partilhar e trocar informações sobre Nora.
Observe as caixas para ver que tipo de informação pode ser recolhida através da cooperação entre várias agências:
Se perguntarem a Nora qual é a sua situação, ela pode dizer-nos o seguinte:
- Os seus problemas de fala desenvolveram-se há quatro meses, depois de Peter a ter estrangulado.
- Teme que Peter a mate se ela se separar dele.
- Receia que a sua autorização de residência seja anulada se se separar; foi isto que Peter lhe disse.
- Está preocupada com o facto da polícia não acreditar nela, uma vez que é imigrante enquanto Peter tem a nacionalidade do país.
- Peter disse-lhe que publicaria fotografias íntimas de carácter sexual se ela contasse a alguém sobre a violência ou tentasse deixá-lo.
- Peter disse que se certificará de que nenhum homem decente olhará sequer para Nora se ela se separar de Peter.
Os factores de risco identificados
O objectivo dos instrumentos de avaliação de risco é ajudar os profissionais da linha da frente a identificar todos os factores de risco e a criar uma panorâmica completa da situação da vítima, a fim de determinar se esta continua em risco de sofrer danos graves e de poder ajudar a desenvolver um plano de segurança.
Um cálculo da probabilidade de se tornar vítima de violência grave não ajuda a vítima, mas o cálculo e o próprio julgamento da situação por parte dos profissionais da linha da frente ajudam-nos a tomar as medidas necessárias para proteger a vítima e prevenir violência futura. Neste cenário, os técnicos da linha da frente identificaram os seguintes factores de risco e factores de vulnerabilidade da vítima:
Peter está a
• recorrer mais frequentemente à violência
• recorrer a uma violência mais intensa (nociva, prejudicial)
Peter
• estrangulou Nora
• utilizou o controlo coercivo
• recorreu à violência física
• recorreu à violência económica, digital e psicológica
• tem registo criminal
Nora
• está a planear um divórcio
• tem antecedentes de imigração
Experiências de Nora
• medo forte
• isolamento social
• problemas de saúde mental
A comunidade de Nora e Peter está a justificar a violência
• honra
A fim de permitir uma cooperação construtiva e harmoniosa entre as diferentes agências, a legislação deve ser clara e cada parceiro deve compreender as suas funções e responsabilidades.
(1) Sabe em que situações pode partilhar e trocar informações com outras agências?
Etapa 3: Delinear as acções necessárias
Os objectivos de aprendizagem deste módulo consistem em familiarizar-se com o planeamento da segurança, a gestão dos riscos e a cooperação entre várias agências.
A definição das acções necessárias é uma fase em que as equipas de primeira linha, em estreita cooperação, planeiam medidas de segurança e tomam medidas para garantir a segurança da vítima. Mais uma vez, leia primeiro sobre o caso de Nora. Em seguida, consulte a lista de acções a realizar e leia porque é que uma rede de cooperação forte é crucial.
Cenário de caso: Nora
Uma avaliação exaustiva dos riscos deve conduzir a uma gestão eficaz dos riscos. Observe os quadros abaixo: o apoio a uma vítima de violência doméstica requer, por vezes, a ajuda de vários organismos diferentes. Todas as entidades têm o seu próprio papel no apoio à vítima. É importante tomar medidas legais e apoiar o bem-estar de Nora, para além da sua relação com a mãe e as irmãs. Nora precisa do apoio dos membros da sua família para conseguir sair de uma relação abusiva.
Porque é que precisamos de uma rede de cooperação forte?
A eficácia das intervenções multi-sectoriais e multi-agências exige o envolvimento e a responsabilização de todos os sectores e intervenientes políticos, nomeadamente as autoridades policiais, o sistema judicial, a saúde, a assistência social e os serviços para crianças, o emprego, a educação e os serviços gerais e especializados para as vítimas. A investigação e a avaliação exaustivas das intervenções coordenadas existentes demonstram também a importância de envolver – para além dos intervenientes sectoriais – defensores autónomos dos direitos das vítimas e outras ONG relevantes que trabalham no domínio da violência contra as mulheres. O desenvolvimento de um entendimento comum da violência contra as mulheres, bem como a melhoria da partilha de informações e da avaliação de riscos através do desenvolvimento de normas, directrizes e protocolos comuns, podem contribuir para a partilha de recursos valiosos e, para o estabelecimento de uma cooperação sistemática. Estes instrumentos são também fundamentais para garantir o empenhamento activo de todas as partes interessadas.46
Lista de tarefas para as equipas de primeira linha
Polícia
- Informar a vítima sobre os abrigos e encaminhá-la para um abrigo, se necessário
- Iniciar os procedimentos de protecção da criança, se ainda não o tiver feito
- Apresentar um relatório de infracção se ainda não o tiver feito
- Com o consentimento da vítima, contactar os serviços de apoio à vítima
- Documentar as informações resultantes da avaliação de risco e mantê-las confidenciais
- Informar a vítima sobre uma ordem de restrição ou emitir uma ordem de restrição temporária
- Informar a vítima dos possíveis momentos em que a polícia vai contactar o agressor
- Informar a vítima quando o autor do crime for libertado*
- Criar um plano de segurança para a vítima
- Em caso de lesões físicas, encaminhar a vítima para os serviços de saúde para que sejam tratadas e documentadas
- Encaminhar a vítima para os serviços sociais com base nas suas necessidades de apoio
- Certificar-se de que todas as ONG relevantes são convidadas a participar no processo de avaliação dos riscos
- Ajudar a vítima a proteger os seus dados pessoais
- Ter em conta os riscos da perseguição assistida por meios digitais e da ciber-perseguição e ajudar a vítima a proteger os seus dispositivos digitais
- Dependendo da legislação, a polícia pode também considerar meios secretos de recolha de informações para prevenir crimes ou evitar perigos
- Considerar as vantagens de um sistema de alarme portátil para a vítima
- Ajudar o agressor a aderir a um programa para agressores*
* = se este dever não pertencer a outro organismo
Trabalho social
- Se houver um risco imediato ou mesmo provável para a segurança do cliente ou de quaisquer crianças, considere a possibilidade de contactar a polícia
- Iniciar os procedimentos de proteção da criança, se ainda não o tiver feito
- Informar a vítima sobre os abrigos e encaminhá-la para um abrigo, se necessário
- Ajudar a vítima a resolver problemas financeiros
- Garantir um alojamento seguro para a vítima
- Ajudar a vítima a proteger os seus dados pessoais
- Ajudar a vítima a obter ajuda imediata em situações de crise e apoio psico-social
Cuidados de saúde
- Examinar sempre o doente sem a presença dos seus familiares ou do seu cônjuge
- Ajudar a vítima a receber ajuda imediata em caso de crise e apoio psicossocial
- Se houver um risco imediato para a segurança do doente ou de quaisquer crianças, considerar a possibilidade de contactar a polícia
- Iniciar os procedimentos de protecção da criança, se ainda não o tiver feito
- Pedir o consentimento da vítima antes de deixar entrar quaisquer visitantes
Etapa 4: Acompanhamento
Os objectivos de aprendizagem deste módulo consistem em familiarizar-se com a finalidade da fase de acompanhamento e compreender a necessidade de um processo dinâmico de avaliação dos riscos.
O acompanhamento é uma fase durante a qual a pessoa que está na linha da frente mantém um contacto regular com a vítima. Leia primeiro porque é que precisamos da fase de acompanhamento e depois veja como é o acompanhamento no caso da Nora.
Porque é que precisamos da fase de acompanhamento como parte do processo de avaliação de risco?
Apesar de uma intervenção eficaz, o agressor pode continuar a ser violento e opressivo para com a vítima. Existem muitas razões pelas quais uma vítima de violência doméstica pode não conseguir deixar o agressor: por exemplo, dependência (mútua), medo ou questões financeiras. Normalmente, são necessárias várias tentativas para deixar o agressor antes de se afastar definitivamente. Por vezes, a separação faz escalar a violência. A vítima pode tentar controlar a violência mantendo-se na relação. A vítima pode deixar o agressor, mas este começa a persegui-la e a assediá-la. Os acordos sobre o contacto com os filhos podem ser utilizados como forma de continuar a sujeitar a vítima à violência. Em suma, a situação pode piorar.
Idealmente, a avaliação de risco é um processo dinâmico. A avaliação de risco precisa de ser revista regularmente. Se a ameaça de violência continuar, é necessário recomeçar o processo de avaliação de risco. A prevenção efectiva da violência doméstica e a quebra do ciclo de violência podem exigir várias intervenções.
Cenário de caso: Nora
Muita coisa aconteceu desde o primeiro encontro de Nora com um trabalhador duma ONG.
Nora actualmente está numa casa de abrigo. Tem uma pessoa de apoio do Serviço de Apoio à Vítima, bem como duma ONG que presta assistência a mulheres imigrantes vítimas de violência. Também tem encontros regulares com uma enfermeira psiquiátrica.
A polícia apresentou queixa por agressões, difamações, ameaças e fraudes cometidas por Peter. Nora obteve uma ordem de restrição contra Peter. Nora soube pelo seu advogado que o divórcio não afecta o seu estatuto de imigrante.
Nora tem uma nova conta bancária e um novo número de telefone secreto. Frequenta o curso de línguas noutra escola. Nora encontra-se com o funcionário da ONG todas as semanas. O trabalhador da ONG mediou com êxito o conflito entre Nora e a sua mãe e irmãs.
Agora parece estar tudo bem, não é?
No entanto, Nora está assustada. Está aterrorizada com a possibilidade de Peter a encontrar. O medo da morte está a tomar conta da sua vida.
Quando Nora vivia com Peter, sentia que era capaz de controlar o seu medo. Conseguia sentir a agitação de Pedro e fazia sempre tudo para evitar uma explosão. Ela agradava o Pedro e tentava chamá-lo à razão. Sentiu que a tensão estava a aumentar e, quando a violência começou, sentiu-se aliviada: “Em breve isto vai acabar durante algumas semanas. Em breve vou poder respirar outra vez”.
As experiências traumatizantes levam Nora a duvidar e a culpar-se.
O trabalhador da ONG e a enfermeira psiquiátrica perguntam sempre qual é o medo de Nora, mas ela não lhes pode contar. Sente uma vergonha enorme de admitir aos seus ajudantes que, apesar de toda a ajuda e apoio que recebeu, tem medo. Viver com um parceiro abusivo era mais fácil quando ela não tinha de estar sempre assustada. Ela não consegue revelar estes pensamentos a ninguém.
Nora fica ainda mais confusa quando encontra por acaso um amigo de Peter. O amigo diz-lhe que Pedro está triste e perturbado. O amigo diz que Pedro tem andado muito preocupado com Nora e que tem tentado encontrá-la.
Ele não está a ir muito bem”.
“Por favor, liga-lhe”.
…
A mente humana é complexa. O que é que pode acontecer a seguir no caso da Nora? E se a Nora telefonar ao Peter? O Peter vai encontrar a Nora ou a Nora vai voltar para o Peter? E se Nora contar este incidente na reunião seguinte com o funcionário da ONG?
O acompanhamento da situação e a manutenção duma relação de confiança e segurança com a vítima são extremamente importantes. Neste caso, Nora revela ao funcionário da ONG que está preocupada com o estado de saúde de Peter. Isto leva a uma discussão sobre os medos e a auto-culpa de Nora. O funcionário da ONG presta atenção à mensagem de que Peter tem tentado encontrar Nora.
Se a situação de Nora se alterasse, as equipas de intervenção da linha da frente revêem a avaliação de risco e tomam novas medidas adequadas. Por exemplo, dependendo da legislação, a polícia pode considerar meios secretos de recolha de informações para prevenir crimes ou evitar o perigo. Um sistema de alarme portátil poderia aliviar o medo que Nora está a sentir. Existem muitas opções.
Agradecidos por ler a história da Nora.
Saiba mais sobre a avaliação do risco de violência doméstica na secção “Boas leituras”. Não se esqueça de imprimir a sua própria lista de verificação da avaliação de risco na secção Materiais.
Boa leitura
- Convenção de Istambul
- Avaliação de risco pela polícia da violência perpetrada por parceiros íntimos contra as mulheres(apresentação)
- A influência da vulnerabilidade da vítima e do género na avaliação do risco de violência entre parceiros íntimos por parte dos agentes da polícia (artigo)
- EIGE: Avaliação e gestão dos riscos
- Um guia para a avaliação e gestão de riscos da violência perpetrada por parceiros íntimos contra as mulheres destinado à polícia
Materiais
Lista de controlo da avaliação do risco de violência doméstica (PDF, 0,3 MB)
8. Exemplos de boas práticas
Nos oito países onde decorreu o IMPRODOVA, identificámos diferentes exemplos de boas práticas de cooperação entre agências que queremos apresentar-lhe.
A análise cruzada de 18 estudos de caso nos países IMPRODOVA permite-nos concluir cinco características organizacionais que foram encontradas em “todas as boas práticas de parceria” contra a violência doméstica. Isto não significa que seja suficiente criar a “organização correcta”, ou seja, uma estrutura organizacional que apresente estas cinco características, para gerar uma cooperação interinstitucional dinâmica, produtiva e sustentável.
A análise dos 18 estudos de caso mostra que a consolidação de uma parceria contra a violência doméstica depende de muitos factores que nada têm a ver com a concepção e gestão das organizações da parceria. Por consolidação, entendemos a institucionalização e a utilização sistemática de procedimentos de trabalho através dos quais os organismos de parceria e os centros de parceria contribuem de forma conjunta e integrada para a prestação de serviços de parceria eficientes.
Estes factores incluem:
- a existência de um quadro jurídico ou de uma política pública que incentive ou mesmo obrigue as organizações parceiras a empenharem-se na parceria e a considerarem-na uma prioridade. Estes incentivos podem ser negativos (obrigação regulamentar, ordem hierárquica, etc.) ou positivos (concessão de subsídios, afectação de recursos adicionais, etc.);
- aumento da pressão social, política e mediática para reforçar a luta contra a violência doméstica. Estas pressões estão muitas vezes ligadas a casos de opinião pública, à defesa de causas ou à adopção de normas internacionais;
- forte envolvimento de empresários institucionais e agentes de mudança na concepção e promoção do mecanismo de parceria, e a sua capacidade de construir alianças com membros de organizações parceiras influentes;
- garantir o apoio político, nomeadamente das autoridades locais;
- referência a modelos aplicados noutros locais – no território nacional ou no estrangeiro – que já são reconhecidos como “boas práticas”. Este reconhecimento raramente está ligado à disponibilidade de avaliações rigorosas da eficácia das “boas práticas”. Resulta, na maior parte das vezes, da notoriedade das instituições que foram pioneiras da prática ou que estão a trabalhar para a disseminar.
Para consultar informações pormenorizadas sobre as boas práticas, infra. Para obter mais informações sobre os resultados da nossa investigação, pode descarregar o nosso relatório:
GAIV (Gabinete de Atendimento e Informação a Vítimas da PSP-Porto, Portugal)47
O Gabinete de Atendimento e Informação a Vítimas da PSP-Porto (GAIV) funciona na cidade do Porto e conta com 17 polícias em regime de exclusividade: atendem casos de violência doméstica, 24 horas por dia, 7 dias por semana, de forma confidencial e especializada. Entre 2010 e 2014, só na cidade do Porto, foram detidos 725 cidadãos por violência doméstica. Cerca de 3.000 vítimas foram acompanhadas, 1.200 planos de segurança individuais e 1.600 avaliações de risco foram efectuadas no último ano.
O GAIV gere todas as chamadas relacionadas com a violência doméstica na cidade. O GAIV tornou-se a linha da frente da resposta à violência doméstica na cidade. Nos bastidores, a PSP cria as Equipas Especiais de Violência Doméstica (EEIV), especializadas na investigação criminal destes crimes. Este novo dispositivo permitiu à PSP obter um elevado nível de sensibilização da população para a violência doméstica.
Alinhada com o quadro conceptual do IMPRODOVA, a experiência do Porto combina um dispositivo organizacional da PSP, envolvendo a cooperação intra-organizacional (GAIV e outras unidades policiais), com a cooperação inter-organizacional entre a polícia, várias ONGs, serviços de saúde e serviços do Ministério Público. Estes acordos visam clarificar os limites do problema em questão, os objectivos e as apostas, os recursos e os actores envolvidos.
Tal como referido, o GAIV surgiu como um serviço focal para atender as vítimas de violência doméstica e acompanhar os seus casos, controlar a utilização dos dispositivos de teleassistência (se accionados, são destacados agentes da polícia para atender a vítima) e reagir prontamente em caso de emergência. Em princípio, todos os casos de violência doméstica no Porto seriam tratados no GAIV. Para o efeito, a PSP optou por uma nova instalação policial – Esquadra do Bom Pastor – que foi construída tendo em conta recomendações técnicas modernas, tais como um interior acolhedor, entre outros atributos físicos e funcionais que apoiam o trabalho específico com as vítimas (por exemplo, salas de atendimento, salas de aprendizagem e formação, espaços para crianças, separação entre vítimas e agressores quando dentro da esquadra). Além disso, o GAIV teve a oportunidade de reunir pessoal especializado que trabalha exclusivamente com questões de violência doméstica.
Por conseguinte, esta nova resposta conseguiu aliviar a pressão do sistema e aumentar a qualidade do serviço prestado às vítimas de violência doméstica.
Espaço Júlia – RIAV (Resposta Integrada de Apoio à Vítima, Portugal)48
25 de setembro de 2011: o agente João Sousa Dias está de serviço quando recebe uma chamada de um homem a comunicar uma morte numa casa situada a dois minutos da esquadra. Sem perder tempo, dirige-se à casa visada e é o primeiro agente a testemunhar o crime de violência doméstica. O marido, com quem vivia há 30 anos, assassinou Júlia, uma mulher de 77 anos, na sequência de uma discussão ao pequeno-almoço. Ele próprio contactou a polícia e identificou-se como assassino.
João Sousa Dias diz que nunca esqueceu o cenário a que assistiu. Um crime sem qualquer alerta prévio à polícia, mas de que a vizinhança tinha algum conhecimento: “Perguntei aos vizinhos pela Júlia. Todos me disseram que era uma excelente senhora. Mas quando lhes perguntei sobre a relação do casal, encolheram os ombros, manifestando que ‘entre marido e mulher não se mete a colher'”.
O episódio da Júlia marcou toda a população à sua volta. Como consequência, há um antes e um depois da Júlia. A RIAV foi fundada em 2015, graças à vontade e iniciativa da Junta de Freguesia de Santo António, com o Comando Metropolitano de Lisboa da Polícia de Segurança Pública e o Centro Hospitalar de Lisboa Central.
O Espaço Júlia, em homenagem a Júlia, fica na mesma rua da casa onde vivia a idosa e foi concebido para dar uma resposta integrada às vítimas de violência doméstica. Uma resposta que falta em muitas esquadras do país está aqui: apoiar e acompanhar as vítimas de violência doméstica: 365 dias por ano, 24 horas por dia, com técnicos especializados.
No Espaço Júlia, trabalham 10 agentes da PSP – 5 agentes do sexo masculino e 5 agentes do sexo feminino com formação na área da violência doméstica e atendimento à vítima. Há ainda a signatária (Chefe da PSP e Formadora da PSP na área da violência doméstica), e há dois técnicos de Apoio à Vítima da Junta de Freguesia de Santo António (com formação TAV da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género), onde se inclui a Directora Técnica do Espaço Júlia, Inês Carrolo.
Desde julho de 2015, data de abertura do Espaço Júlia, foram recebidas 1573 queixas. Só em 2019 foram recebidas 285 queixas – a maioria das quais (224) de mulheres entre os 25 e os 44 anos, havendo ainda uma certa percentagem de menores de 18 anos (10 queixas em 2019).
“As ocorrências do Espaço Júlia, em regra, são complexas e sensíveis, pois envolvem vítimas especialmente vulneráveis, de várias idades, de vários estratos sociais. As ocorrências mais complicadas são as que envolvem abusos sexuais e violações de crianças, não só pela natureza do crime, mas também pelos procedimentos técnicos e medidas policiais que urge adotar”, referem os responsáveis do Espaço.
Todos os casos de violência doméstica, estupro e abuso sexual são atendidos no Espaço Júlia, que é sinalizado pelas unidades de saúde do Pronto Atendimento Pediátrico do Hospital Dona Estefânia e do Pronto Atendimento do Hospital São José. “No entanto, qualquer pessoa que se dirija a este espaço será atendida. Se necessário, a vítima será encaminhada para um local seguro, gerido por entidades com as quais temos parcerias”, acrescenta a Junta de Freguesia de Santo António.
Fontes
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