Bem-vindo ao modulo introdutório, Módulo 1 sobre “Formas e dinâmicas da violência doméstica”. Módulo 1 fornece uma visão geral sobre as várias formas de violência doméstica (VD). Fornecerá os fundamentos teóricos sobre o tema, com especial ênfase para os grupos vulneráveis, como por exemplo, pessoas idosas, pessoas com deficiência, ou indivíduos LGBTIQ+. Ocorrerá a partilha de informação sobre os prepetradores de VD. Pretende-se que no final deste módulo, seja possível ter uma compreensão profunda da natureza multifacetada da VD, das suas formas, das vítimas e dos agressores. Este conhecimento é necessário para identificar as vítimas (Módulo 2), comunicar melhor (Módulo 3) e, elaborar a avaliação de risco (Módulo 5).
Objectivos da aprendizagem
+ Enquadrar teoricamente a VD e compreender a VD e, as suas diferentes formas.
+ Compreender a importância dos aspectos relacionados com o sexo e o género no VD para os profissionais de primeira linha.
+ Compreender quais os grupos vítimas de VD mais vulneráveis e o contexto em que se inserem.
+ Compreender o percurso dos agressores e os motivos pelos quais se tornam abusivos.
‘A violência doméstica é mais do que ser espancada, é mais do que não permitir que vejamos os nossos amigos, não permitir que tenhamos o nosso próprio dinheiro, é controlar a nossa vida de todas as formas possíveis; ninguém consegue ver isso..’
‘A violência entre parceiros íntimos não é uma especificidade dos pobres e dos ileterados, como muitas pessoas erroneamente pensam. A mulher de um político conhecido foi acolhida aqui. Família de classe média alta. O marido era um líder comunitário respeitado e um homem da igreja. Algumas pessoas sabiam o que se passava à porta fechada. As crianças tinham de testemunhar como o pai violava a mãe. Até mijava em cima dos miúdos como castigo por se terem portado mal. O homem era tão influente na sua cidade que o gabinete de tutela se recusou a ajudar quando se apercebeu que o seu nome estava envolvido. Era quase impossível para a mulher fugir da prisão, porque a maioria das pessoas não acreditava nela e as que acreditavam não se atreviam a ajudá-la.”
Tarefas para reflexão
(1) Após a leitura das duas citações, pense nas formas como encontrou os termos violência doméstica e abuso. Como é que define violência doméstica e abuso? O que significa para si e tem conhecimento de outros termos utilizados para descrever o mesmo fenómeno??
(2) Tome algumas notas breves para voltar às mesmas à medida que continua a ler. À medida que for vendo as diferentes definições, reflicta se isso mudaria alguma coisa nas suas opiniões iniciais sobre o tópico.
1. Definições
A violência pode acontecer a qualquer pessoa de qualquer raça, idade, orientação sexual, religião ou sexo/género. Afecta pessoas de todos os meios socioeconómicos e níveis de educação.
Violência Doméstica (VD)
A violência doméstica, também designada , é definida pelas Nações Unidas como um padrão de comportamento em qualquer relação que seja utilizado para ganhar ou manter o poder e exercer controlo sobre um indivíduo no seio de uma família ou agregado familiar.
Pode ocorrer entre casais, casais do mesmo sexo, pais e filhos, irmãos, tios, tias, primos, avós ou mesmo colegas de quarto.
A violência pode incluir acções físicas, sexuais, emocionais, económicas ou psicológicas ou ameaças de acções que influenciam negativamente outra pessoa.
Violência entre parceiros íntimos (VPI)
A violência por parceiro refere-se a comportamentos no âmbito de uma relação íntima que causam danos físicos, sexuais, económicos, sociais ou psicológicos, incluindo agressão física, coerção sexual, abuso psicológico e comportamentos de controlo.
Uma relação íntima pode referir-se ao parceiro atual ou anterior da vítima, ao cônjuge, ao companheiro ou ao parceiro de namoro, independentemente de viverem juntos no mesmo agregado familiar ou não.
A violência nas relações de intimidade é uma das formas mais comuns de violência contra as mulheres e ocorre em todos os contextos e em todos os grupos socioeconómicos, religiosos e culturais. No entanto, a violência por parceiro íntimo contra homens também pode ocorrer e está a ser significativamente sub-reportada.
Violência baseada no género (VBG)
A violência baseada no género é definida como a violência dirigida contra uma pessoa devido ao seu género. Mulheres, homens, pessoas LGBTQI+ (lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros queer, intersexuais) e outras pessoas que não se enquadram na norma heterossexual ou nas categorias binárias tradicionais de género.
Exemplos: • Violência doméstica
• Mutilação genital feminina/corte (MGF/C)
• Femicídio – assassinato de mulheres
• Casamento forçado
A Convenção de Istambul (Conselho da Europa, Convenção para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica) enquadra a violência baseada no género e a violência contra as mulheres como um ato de género que é “uma violação dos direitos humanos e uma forma de discriminação contra as mulheres”.
2. Excursus – Género
Objectivos da aprendizagem
O conhecimento dos aspectos relacionados com o sexo e o género na violência doméstica é relevante para os profissionais de primeira linha. Uma compreensão mais profunda dos aspectos relacionados com o sexo/género ajudará a diferenciar de forma adequada os vários tipos de violência doméstica e, consequentemente, ajustar as respostas das agências. Aqui encontrará informações sobre o género em geral e conhecimentos especializados para o sector da saúde como primeira linha de resposta.
Clique por baixo de cada termo da ilustração para ler a respectiva definição.
Para mais informações sobre “Estereótipos” no Módulo 8.
A importância da interseccionalidade
No contexto do género, a compreensão da interseccionalidade é de extrema importância, uma vez que nos permite reconhecer e abordar as experiências únicas e sobrepostas de indivíduos que pertencem a múltiplos grupos marginalizados.
Definição
As categorias sociais como, por exemplo, raça, etnia, género, sexualidade e classe estão interligadas e são atribuídas a um determinado indivíduo ou grupo. A interseccionalidade descreve a forma como estas categorias se “intersectam”, reforçando ou reduzindo a probabilidade de sofrer opressão sistémica, diferentes formas de discriminação e desigualdades.
Tarefas de reflexão:
Vê o vídeo e toma notas sobre as seguintes questões:
(1) Refira alguns exemplos de interseccionalidade.
(2) De que forma observou ou experimentou privilégios ou discriminação com base na intersecção das suas próprias categorias sociais?
(3) Reflicta sobre a forma como a interseccionalidade pode afectar o acesso a oportunidades, recursos e representação em vários campos ou contextos (por exemplo, educação, emprego, meios de comunicação social, sector da saúde).
(4) Já se encontrou numa situação em que testemunhou alguém a ser discriminado devido à intersecção das suas várias categorias? Como reagiu e o que poderia ter sido feito de forma diferente?
Para mais informações sobreestereótipos e preconceitos consultar o Módulo 8.
Avaliação dos conhecimentos: Violência baseada no género
3. Formas mais comuns de violência no contexto da violência doméstica
Formas mais comuns de violência no contexto da violência doméstica.
‘Na altura, achei que não tinha sido um abuso, mas quanto mais pensava nisso, mais sentia que tinha sido um abuso. O abuso emocional é mais grave do que o abuso físico, uma vez que não há marcas ou nódoas negras no exterior. Quando me apercebi disto, fui-me embora. Viver sozinha é muito melhor do que o que estava a acontecer na relação.’
Clique por baixo de cada termo da ilustração no círculo correspondente para ler a respectiva definição.
Tarefas para reflexão
(1) Quais das formas mais comuns de violência doméstica listadas são desconhecidas para si?
(2) Quais as formas mais comuns de violência doméstica que a surpreenderam e porquê?
4. Tipos especiais de violência no contexto da violência doméstica
As seguintes formas especiais de violência doméstica são formas distintas de crime nalguns países. Quando estão envolvidos membros da família, existem diferentes tipos de crime relacionados com a violência doméstica.
Tarefas para reflexão
Antes de ler a próxima parte, reflita sobre as duas perguntas seguintes:
(1) Que tipos especiais de violência se recorda que não tenham sido discutidos na secção 3 (formas mais comuns de violência)?
(2) O que é que associa à mutilação genital feminina (MGF)? Considera que também é um problema no seu país?
Casamento infantil, precoce ou forçado
• O casamento infantil ocorre quando pelo menos uma das partes é uma criança (com menos de 18 anos – em algumas regiões, com menos de 16 anos). • Os casamentos precoces envolvem uma pessoa com idade inferior a 18 anos ou casamentos em que ambos os cônjuges têm 18 anos ou mais, mas outros factores não os tornam preparados para consentir no casamento, por exemplo, o seu nível de desenvolvimento físico, emocional, sexual e psicossocial. • O casamento forçado é qualquer casamento que ocorra sem o pleno e livre consentimento de uma ou de ambas as partes, quando uma ou ambas as partes não têm capacidade para pôr termo ou abandonar o casamento, ou em resultado de coação ou de intensa pressão social ou familiar.
Mutilação genital feminina (FGM)
O que é a MGF/C?
Mutilação Genital Feminina (MGF) também conhecida como circunsição feminina, é uma grave violação dos direitos humanos, que viola o direito à integridade fisiológica e psicológica.
Mais de 200 milhões de raparigas e mulheres vivas foram submetidas à mutilação genital feminina. A MGF/C ocorre num contexto de normas e crenças tradicionais, mas também existe na Europa.
Altera ou fere intencionalmente os órgãos genitais externos femininos por razões não médicas e é praticada, na maior parte dos casos, contra a vontade da mulher ou da rapariga. Retira-lhes o controlo sobre o seu corpo, a sua sexualidade e o seu direito a ter funções corporais básicas sem infecções nem dor. Assim, a MGF é uma manifestação de desigualdade e discriminação baseada no género e viola os direitos humanos.
A MGF é um problem ana Europa?
A MGF é um problema mundial, que também existe na Europa. Estima-se que 190.000 raparigas e mulheres em 17 países europeus estejam em risco de serem mutiladas e que mais de 600.000 mulheres na Europa vivam com as consequências da MGF.
Embora a pandemia de COVID-19 tenha reduzido a possibilidade de viajar para praticar a MGF, não impediu que a prática fosse realizada em segredo. Este facto, aumentou a vulnerabilidade das raparigas e das mulheres, incluindo as que estão em risco de MGF, exacerbou as desigualdades de género, as disparidades económicas e os riscos para a saúde e perturbou os esforços de prevenção. A pandemia de COVID-19 dificultou o acesso das mulheres e das raparigas a apoio psicológico e a cuidados médicos, caso fosse necessário.
Em geral, os contextos humanitários e de emergência, como os conflitos e as alterações climáticas, aumentam a vulnerabilidade das mulheres e das raparigas à violência, incluindo práticas nocivas como a MGF. Mais de metade dos países onde as raparigas correm maior risco de serem submetidas à MGF estão a viver situações de emergência humanitária, incluindo conflitos.
Exploração sexual/prostituição forçada
O termo “exploração sexual” significa qualquer abuso real ou tentativa de abuso de uma posição de vulnerabilidade, poder diferencial ou confiança para fins sexuais, incluindo, mas não se limitando a, lucrar monetária, social ou politicamente com a exploração sexual de outrem. Alguns tipos de “prostituição forçada” também podem ser abrangidos por esta categoria.
Violência relacionada com a honra
A violência relacionada com a honra (também conhecida como VRH, violência de honra, violência baseada na honra) descreve qualquer forma de violência
– física (agressão, violação, assassínio, MGF/C),
– psicológica (pressão mental, ameaça, privação da liberdade pessoal) ou
– outras formas de violência (por exemplo, restrição de movimentos, restrição do círculo de amigos, controlo coercivo, casamento forçado)
que é exercida no seio da família ou da comunidade em nome da “honra da família”.
É importante notar que também os homens, os rapazes e as pessoas que se identificam como gays, lésbicas, bissexuais, transgéneros ou transexuais podem sofrer violência e pressão psicológica relacionadas com a honra.
A violência relacionada com a honra é uma violência colectiva. Embora um membro individual da comunidade não aprove as normas comunitárias, pode ser extremamente difícil para o indivíduo desafiá-las.
Femicídio – Assassinatos de mulheres e raparigas relacionados com o género
O femicídio (=feminicídio) é definido como o assassinato de mulheres e raparigas devido ao seu género. 56% das vítimas de femicídio são mortas pelos seus actuais e antigos parceiros, ou por membros da família, como pais, irmãos, mães e irmãs, devido ao seu papel e estatuto de mulher..
O femicídio envolve frequentemente abusos contínuos em casa, ameaças ou intimidação, violência sexual ou situações em que as mulheres têm menos poder ou menos recursos do que o seu parceiro(1).
Homicídio de honra de mulheres
“O crime de honra feminino é uma forma particular de femicídio, em que o assassinato de uma mulher é perpetrado por um membro ou membros da sua família que não aprovam o seu comportamento social em geral e o seu comportamento sexual em particular”.(2)
Abuso parental por crianças e adolescentes
“I’ve been in a predicament where I have hurt my mum and she’s reached out to the police, but she didn’t want to see her daughter locked up or taken from her. But she felt like she needed help and she didn’t get that help. Fortunately, I made the change for myself after realising [the gravity] of the situation, but that’s not always the case.” “Já estive numa situação em que magoei a minha mãe e ela contactou a polícia, mas não queria ver a filha presa ou retirada dela. Mas ela sentiu que precisava de ajuda e não a obteve. Felizmente, mudei por mim própria depois de me aperceber da [gravidade] da situação, mas nem sempre é esse o caso.”
Mulheres joves(1)
Definição
A Violência e Abuso de Crianças e Adolescentes contra os Pais (CAPVA) descreve uma dinâmica em que um jovem (com idades compreendidas entre os 8 e os 18 anos) adopta um comportamento abusivo em relação a um dos pais ou a um adulto que lhe presta cuidados e em que o comportamento abusivo é prejudicial e repetido. Estes maus tratos podem ser físicos, verbais, financeiros, coercivos ou emocionais e podem incluir comportamentos como bater, fazer ameaças, assustar os pais para que façam ou não façam coisas, ou causar danos em casa.(2)
O CAPVA ocorre frequentemente como uma forma de violência de género, sendo que a maioria dos casos conhecidos pelos serviços envolve rapazes no final da adolescência que maltratam as mães.(1)
Para mais informações sobre a CAPVA, consultar Módulo 2.
Coerção reprodutiva
A coerção reprodutiva é um comportamento que interfere com a tomada de decisão autónoma de uma mulher, no que diz respeito à saúde reprodutiva. Pode assumir a forma de sabotagem do controlo da natalidade, coação na gravidez ou controlo do resultado de uma gravidez.(1)
Exemplos de reprodução coerciva
– Forçar ou pressionar a vítima a engravidar, ter um bebé ou fazer um aborto
– Negar o acesso à contracepção
– Transmitir conscientemente à vítima uma infeção sexualmente transmissível – Impedir ou limitar o acesso a serviços e informações de saúde obstétrica/ginecológica
A violência doméstica assume diferentes formas. Aprende mais através da campanha de banda desenhada “Como reconhecer a violência doméstica” do projecto da UE IMPROVE:
As bandas desenhadas individuais podem ser descarregadas no separador Materiais de formação para formadores (Módulo 1).